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História da Literatura Chinesa Clássica

Ref. Lu Kanru e Feng Yuanjun 'Breve história da literatura chinesa. Beijing: Edições em Línguas Estrangeiras, 1986.


A origem da literatura chinesa 

A literatura é a forma de arte que reflete a vida através de imagens verbais. Um autor nos seus escritos apresenta inevitavelmente o seu ponto de vista sobre a vida e o mundo que o rodeia; os escritos bons encorajam-nos a avançar, enquanto os maus atrasam-nos. Este o significado social da literatura.

A longa e gloriosa história da China vangloria-se de muitos escritores que foram pioneiros no domínio das ideias, que além de ferirem profundamente os sentimentos dos leitores, têm um profundo alcance educacional. Alguns deles obtiveram fama universal. Embora a literatura realista socialista da Nova China se desenvolva fora desta herança do passado.

É simultaneamente recompensador e necessário olhar para a história desta multissecular literatura, para que possamos mais facilmente compreender a tarefa dos escritores do passado, o desenvolvimento gradual da tradição literária chinesa e em que medida foi influenciada pela vida e problemas do seu tempo. Isto ajudar-nos-á a vislumbrar como, durante milhares de anos o Povo lutou por uma vida melhor, e a parte positiva desta herança que foi deixada aos seus descendentes pode servir de suporte ao trabalho atual. 

Toda a literatura primitiva nasceu do trabalho como Lu Xun diz:

Os homens primitivos que foram os nossos antepassados não utilizavam inicialmente qualquer linguagem, mas ao trabalharem em conjunto, começaram a trocar ideias e assim foram gradualmente emitindo sons diferenciados. Para exprimirem a sua fadiga quando transportavam toros, por exemplo, um deles gritava: "Ho-io! Ho-io!", isto constituía uma espécie de criação literária. Se os outros a aprovassem e a começassem a usar, o som ficava "publicado". Quando tais sons passaram a ser fixados por meio de símbolos, surge a literatura; o que o tinha emitido era um escritor, um homem de letras da "Escola Ho-io"... Ainda hoje se encontram muitas composições folclóricas, canções dos montanheses e dos pescadores cuja letra foi composta por poetas iletrados e histórias populares e infantis da autoria de novelistas analfabetos. Este grupo constitui o dos autores não literários. 

Isto indica que os primeiros autores pertenceram à classe laboriosa. Foram eles que compuseram as primeiras obras literárias, ainda que não fossem escritas, durante a execução das suas tarefas.

Para aliviar o peso das suas lidas e expressarem a alegria pela tarefa cumprida, os antigos chineses como os homens em todo o mundo, criaram sons e linguagens rítmicas que foram as primeiras formas poéticas; à medida que os séculos passavam, aumentava o poder perceptivo e o sentido estético das classes trabalhadoras. 

Na primeira literatura vernácula, os mitos e as lendas tinham um significado muito especial.

Como a vida do homem primitivo era extremamente árdua e os seus conhecimentos limitados, não possuíam explicações científicas para os fenômenos naturais e científicos, o céu e a terra, o sol e a lua, as montanhas e os rios, vento e chuva, trovões e relâmpagos, aves, animais e plantas, a origem da vida humana, a invenção de ferramentas ou a luta do homem para uma existência mais feliz. Por isso tentaram compreender e explicar estas coisas com base nas suas próprias experiências, criando assim numerosos e maravilhosos mitos e lendas. 

A história das inundações é característica. Este mito, quase conhecido por toda a gente, tem diferentes versões nas diversas regiões da China. Mas a mais popular é a de Yu, o Grande. O pai de Yu levou a efeito a enorme missão de refrear as inundações. Este consultou dois sábios que viviam na água e construiu diques para evitar os alagamentos, mas isto só veio piorar a situação quando o Céu se enfureceu, matando-o e deixando o seu corpo três anos insepulto. Todavia manteve-se incorrupto e Yu nasceu dele, para continuar a obra iniciada. Yu teve de lutar contra muitos monstros e espíritos diabólicos que tentavam obstruir a sua obra; levantou grandes diques de terra para deter o avanço das inundações e abriu canais para o escoamento das águas. Depois de oito anos de árduos trabalhos, acabou por dominar a corrente e permitiu que o povo vivesse em paz e felicidade.

Este mito dá-nos conta da coragem e perseverança dos nossos antepassados nas batalhas que travaram contra a natureza, e como eram intrépidos diante da morte e as dificuldades quando um tombava logo outro tomava o seu lugar. Embora este mito possa parecer ao leitor atual fantástico, reflete a determinação do homem em construir para si próprio uma vida melhor. Histórias com um significado tão profundo como esta podem educar sucessivas gerações e tornarem-se uma força impulsionadora da sociedade. Servem, igualmente, como fonte inspiradora para futuros escritores, deixando as suas marcas na poesia, ficção e drama nacionais. 

A literatura chinesa primitiva também era rica em cantigas e adivinhas, mas passados tantos séculos a maioria perdeu-se, enquanto outras foram de tal maneira modificadas quando reproduzidas por escribas posteriores que se desconhecem as suas formas originais. 

À medida que a humanidade se desenvolvia, inventou-se uma linguagem escrita. Na China desenvolveu-se uma escrita ideográfica distinta, começando por pictogramas ou desenhos simplificados, tais como homem, ave, lua ou montanha*. Gradualmente estes pictogramas foram-se estilizando e símbolos indiretos, associações compostas, fonemas de outros povos e outros tipos de caracteres foram acrescentados. A natureza especial da língua chinesa, que é remarcavelmente lacônica e evocativa senão mesmo, em alguns casos, ambígua, ajudou a dar à literatura clássica chinesa algumas características que a distinguem das outras: concisão e vigor. E relativamente poucas mudanças se verificaram na linguagem escrita nestes últimos três mil anos.

*Pessoa, ave, lua e montanha:



Entre os mais antigos escritos chegados até nós, alguns são genuínos, outros apócrifos. Por outras palavras, temos trabalhos atribuídos ao período dos três imperadores sábios, ou ao período das dinastias Xia e Shang, que na realidade foram escritos durante ou após a dinastia Zhou, embora que baseados em materiais anteriores. Os nossos mais antigos escritos genuínos são os oráculos da dinastia Shang inscritos nas omoplatas de alguns mamíferos ou na carapaça de tartarugas. A resposta dos deuses às diversas perguntas eram dadas através da forma de fragmentação produzida, pelo aquecimento dos ossos e as inscrições nestes indicam os resultados. Memórias de acontecimentos importantes também se encontram inscritas em recipientes de bronze.

Durante a dinastia Shang a China tinha uma sociedade esclavagista. Agricultura, pecuária e artesanato estavam bastante desenvolvidos, para a altura e nesta base estabeleceu-se um forte Estado de escravos e seus proprietários, com um razoavelmente elevado estádio civilizacional.

Os oráculos, inscritos nos ossos ou nas carapaças e nos vasos de bronze onde se gravam as memórias são normalmente muito curtos, embora nos segundos haja inscrições com mais de 30 palavras e nos primeiros ultrapassa-se a centena. Na maioria, recordavam-se as atividades dos governantes, mas também refletem as condições de trabalho da época. Visto que a maior parte destas inscrições serem em prosa, podemos considerá-las como o início da nossa literatura. Algumas, contudo, assemelham-se a canções, como no caso seguinte:

Perguntamos ao oráculo no dia de "Ganzhi" 

Se haveria alguma chuva. 

Chuva do ocidente? 

Chuva do oriente? 

Chuva do norte? 

Chuva do sul? 

Isto parece ser como que um feitiço para a chuva, que reflete o desejo daqueles lavradores primitivos por uma abundante colheita. 

A maior parte destes feitiços em prosa ou em verso são anteriores ao século XI aec Isto pode ser considerado como o começo da literatura chinesa, o primeiro capítulo da nossa literatura clássica.


A Dinastia Zhou do Oeste e o Período da Primavera e Outono 

Durante o século XI aec, o rei Wu de Zhou destronou a dinastia Shang e o Estado esclavagista começou a desintegrar-se. Uma sociedade feudal começa-se a formar e manter-se-á por vários milhares de anos. O segundo grande período da história da literatura clássica chinesa tem uma duração de 800 anos, desde a subida ao poder da dinastia Zhou até aos finais do século III aec, quando o primeiro imperador dos Qin, também conhecido por Qin Shi Huang, uniu toda a China. 

Vejamos, primeiro, os primórdios da literatura Zhou, pois durante o período da Primavera e do Outono algumas importantes alterações se verificaram. As obras primas deste período são ‘O Livro de Canções’ e algumas partes do ‘Livro de História’, bem como de ‘O Livro da Mudança’.  

O ‘Livro de Canções’ é a mais antiga antologia de poesia chinesa e, simultaneamente, um dos seus maiores tesouros. Contém mais do que três centenas de canções, compostas antes do século VI aec, a maior parte delas tendo 4 caracteres por linha, Algumas são antigas canções para danças e sacrifícios, outras poesias narrativas e, num período posterior, surgiram as sátiras, além disso transcreve outras canções populares de outros distritos, que refletem a vida e a maneira de pensar e o sentimento do povo comum. 

Como a poesia primitiva dos outros países, a grande maioria destas canções estava associada com danças que representavam diferentes formas de trabalho ou ritos de fertilidade. A seção chamada "Hinos de Zhou" em ‘O Livro das Canções inclui diversos poemas ligados à agricultura, sendo os melhores "Eles Limpam a Erva, as Árvores" e "Muito Aguçada, a Boa Relha". Estas eram, possivelmente, canções populares que foram aproveitadas pelos governantes como odes para sacrifícios e é natural que tenham sido alteradas ou distorcidas neste processo, pois alguns versos apresentam pouca consistência estrutural. Elas evocam-nos de uma maneira viva como os primitivos servos chineses conseguiam arrancar do solo subsistências, há três mil anos, no vale do Rio Amarelo.

Os antigos gostavam de poemas narrativos acerca de feitos heróicos dos seus antecessores, e tal tipo de poesia pode ser também encontrado em ‘O Livro de Canções’. Alguns glorificam os antecessores da família real, enquanto outros descrevem os feitos dos primeiros heróis ou a resistência oferecida às invasões das tribos meridionais. A literatura chinesa da Antiguidade não tem grande valor épico, todavia através destes poemas narrativos pode-se ver como o povo da dinastia Zhou trabalhava, administrava a terra e lutava. 

Nesta antologia encontram-se também-numerosas sátiras. Embora os lavradores labutassem esforçadamente, muitas vezes passavam fome e frio, devido ao fato de terem de pagar altas contribuições, impostos e darem corveias ou servir como soldados. Algumas das canções criticam a injustiça social reinante, pondo em contraste a vida despreocupada e extravagante dos governantes com o destino penoso dos trabalhadores.

Mas a parte mais importante de ‘O Livro de Canções’ é a que compreende as canções folclóricas de diferentes localidades. Como a seleção era feita pelos governantes para seu próprio proveito, algumas alterações foram inevitavelmente: feitas; , mesmo assim estas líricas mantêm-se perenemente admiráveis. "No Sétimo Mês" que descreve as ocupações referentes às diversas estações do ano, permite-nos lançar uma mirada à vida campesina durante o Outono e o Inverno: 

No nono mês preparamos as eiras. 

No décimo mês trazemos a colheita, 

Milhete para o vinho, sorgo para a comida, milho-miúdo, arroz e cânhamo, feijão, e trigo, 

Vem, meu agricultor, 

A minha colheita está acabada, 

Sobe e começa a trabalhar na, casa, 

De manhã repara o telhado de colmo, 

À noite torce a corda; 

Sobe depressa ao telhado.

Dentro em breve começarás a semear teus grãos. 

Os servos não só trabalhavam duramente para o senhor da propriedade, mas sofriam tratamentos humilhantes especialmente as mulheres do povo: 

Os dias da Primavera estão a acabar; 

Juntam as brancas ásteres em multidões. 

O coração de uma rapariga está doente e triste 

Forçada a ir para casa com o seu senhor. 

O ódio pelos seus senhores está expresso como "Machado, machado, Corta a Madeira": 

Tu não serras, tu não ceifas, 

Ainda que tenhas cereal, para encher três eiras! 

Tu não monteias, tu não caças, 

Ainda que vejas todos aqueles texugos no teu pátio!

O poema "Grandes Ratos, Grandes Ratos" veicula semelhantes ressentimentos e aspirações por um futuro melhor: 

Grandes ratos, grandes ratos,

Mantenham-se afastados do nosso trigo! 

Durante três anos trabalhamos para vós, 

Mas vocês repeliram-nos: 

Agora deixaremos esta terra 

Para uma mais feliz- 

Essa terra feliz, essa terra feliz, 

Que encontraremos, é tudo que precisamos.

Há muitos poemas de amor maravilhosos em ‘O Livro de Canções’. Alguns descrevem honestas cortes e devoções prolongadas, outros amores e casamentos infelizes e os sofrimentos peculiares das mulheres do período feudal e no poema "Pensávamos que Eras um Simples Camponês", que' se encontram amantes devotados um ao outro:

Eu subi aquela alta parede 

Para dar uma olhada ao meu noivo. 

E quando não pude vê-lo, 

As lágrimas caíram-me em cascatas. 

Quando o acabei de ver, 

Como ri e falei alegremente! 

Consultaste e teu caule de milefólio 

E sua configuração não mostrou qualquer infelicidade. 

Vieste com a tua carroça 

E levaste-me e o meu dote.

Mas mais tarde o marido mostrou-se infiel: 

As folhas da amoreira caíram, 

Amarelas e secas, 

Desde que estou contigo, 

Durante três anos passei pobreza. 

As águas do céu extravazaram-se;  

Elas molharam as cortinas da carruagem. 

Não era eu que estava em falta; 

Foste tu que mudaste o teu procedimento, 

És tu que és infiel, 

Cujos favores são distribuídos por aqui e ali. 

‘O Livro de Canções’, especialmente na parte de canções folclóricas, ocupa um lugar de destaque na literatura chinesa. Embora os comentadores, feudais tenham distorcido o significado de muitos dos seus poemas, durante mais de dois mil anos, esta coleção tem sido apreciada por um número infindável de leitores chineses. Estas magníficas composições líricas com as suas imagens vivas e uma linguagem simples e evocativa dão uma imagem verdadeira da vida durante a dinastia Zhou e são as fundações da melhor tradição do realismo da poesia chinesa. 

Aproximadamente do mesmo período do que ‘O Livro de Canções’ são os registros históricos, de ‘O Livro de História’ e as explicações dos hexagramas utilizados na adivinhação de ‘O Livro da Mudança’.

A prosa da dinastia Zhou desenvolveu-se a partir dos oráculos inscritos nos ossos e das inscrições no bronze dos Shang. Enquanto ‘O Livro de História’ apresenta semelhanças com as inscrições, ‘O Livro da Mudança’ é uma reminiscência dos antigos oráculos. A maior parte de ‘O Livro da História’ é de um período posterior, mas algumas partes que dizem respeito à dinastia Zhou do Oeste e princípios da Zhou do Este foram escritas na altura. Embora a maior parte destes registros deem conta das declarações e ações dos governantes, dá-nos uma ideia das condições dos servos. E como as explicações dos sessenta e quatro hexagramas de ‘O Livro da Mudança’ têm uma origem popular, também nos fornecem uma Informação geral sobre a vida naqueles tempos. Ali encontram-se referências à pesca e caça, criação de gado e agricultura, guerra, sacrifício e casamento, comidas e bebidas, casas e vestuário. Se abstrairmos os abundantes comentários místicos e as falsas interpretações destes livros, continuam a ser importantes trabalhos em prosa dos começos da dinastia Zhou. 

Os trabalhos feitos durante o período dos Reinos Combatentes são completamente diferentes da primitiva literatura Zhou.


O Período dos Reinos Combatentes 

Depois do Período da Primavera e Outono houve uma mudança no sistema, de posse da terra e gradualmente uma nova classe de proprietários surgiu. Durante a luta entre estes novos terratenentes e os antigos chefes feudais, os literatos emergiram como um grupo 'proeminente que começou a dominar toda a atividade cultural. Ainda de maior importância, foi o avanço do povo Zhou do Rio Wei para o vale do Rio Amarelo, modificando mesmo o vale do Yangtsé. E quando o reino Chu, com as suas diferentes tradições, caiu sob o domínio econômico do império Zhou, fez com que houvesse uma aceleração e alargamento da cultura. 

A mais importante literatura deste período é a ‘chuci’, a poesia do reino Chu. Estes poemas foram escritos em dialeto Chu e de harmonia com a musicalidade local. Os mais antigos são as Nove Odes, 'na realidade' onze, que eram usadas em sacrifícios no reino Chu no fim do Período da Primavera e Outono e no princípio do dos Reinos Combatentes. As divindades e os espíritos a quem os sacrifícios eram feitos, estavam ligados à agricultura: o deus sol, a deusa das nuvens, a das montanhas, a das águas. Como acreditassem que os deuses eram como os homens, eles podiam enamorarem-se de mortais, por isso as Nove Odes também falam de amor. Através da paixão de xamãs por deuses e deusas, elas expressavam os desejos do homem por vidas melhores através da natureza. Se os deuses estavam satisfeitos, dar-lhes-iam melhores colheitas, se encolerizados destruir-lhes-iam os frutos. A "Ode aos Mortos" era usada em sacrifícios feitos em honra dos guerreiros tombados nas batalhas, e mostra o profundo amor do povo pela sua pátria. É possível que o grande poeta Ou Yuan tenha rescrito estas odes, mas elas, geralmente, são consideradas como trabalho de poetas anônimos. 

Pouco depois da feitura das Nove Odes, viveu o brilhante poeta Qu Yuan, um nobre do reino Chu. A data do seu nascimento é incerta, mas foi possivelmente entre 343, e 339 aec. Por volta dos vinte anos começou a ter parte ativa nos assuntos de Estado. Quanto à política interna defendia a promoção dos ministros mais capazes, e, quanto à externa, pretendia que fosse feita uma aliança com o Estado Qi contra o crescente poder do Qin, Tal era uma política de interesse para o seu reino, mas era mal aceite por alguns nobres Chu e pelo Estado Qin. Homens vulneráveis, coligados com enviados Qin, difamaram, Qu Yuan e conseguiram obter a sua demissão. Primeiro foi exilado para o norte do rio Han, depois, quando tinha quase cinquenta anos, para o sul do Yangtsé. Quando se apercebeu que o seu país se aproximava da ruína e que 'nada podia fazer para evitá-la, ficou 'num estado de desespero' e afogou-se no rio Milo, perto do lago Tungting. Segundo a tradição, teria morrido no quinto dia do quinto mês e a sua memória é comemorada no dia do Festival dos Barcos-Dragão que calha nesse dia, mas o ano da morte é desconhecido. É provável que tenha sido por volta de 280 aec, porque em 278 aec o exército Qin destruiu a capital do reino de Chu, e, certamente, Qu Yuan não teria resistido a esta catástrofe. 

A sua obra prima intitula-se ‘Li São’, um poema com mais de trezentos e setenta versos, onde expressa as suas aspirações e emoções. Tem uma construção maravilhosa, com uma variedade considerável de estruturas frásicas e magnífica imaginação. O tema, do poema é claro. Qu Yuan expressa o seu amor sincero pelo seu país e a preocupação pelos seus compatriotas, expondo implacavelmente a loucura do rei e a traição dos seus diabólicos ministros. Usa o nome de ervas aromáticas para simbolizar os seus espíritos ambiciosos:

Dedico-me ao meu auto-aperfeiçoamento,

Estou coberto de ervas angélicas e selíneas; 

E faço um cinto de orquídeas. 

Embora se lhe tivessem deparado muitos contratempos e de vez em quando desesperasse, o seu fervoroso patriotismo fazia-o continuar a lutar resolutamente:

No exílio prefiro encontrar o meu fim 

Do que na baixeza dos meus conterrâneos. 

De longe a águia rejeita o campo comum, 

Não conscende desde o verbo a sua forma mudar; 

Um círculo não se coaduna com uni desenho quadrado. 

Os caminhos deles não se podem fundir com o meu. 

Ainda consultei o coração e curvei o meu orgulho 

A vergonha sofri, além, da censura. 

Morrer pela justiça, sozinho suspiro, 

Pois isto é que os velhos sábios ensinaram.

Ele deixou-nos um filme incomparável do que era um patriota naquelas antigas eras. Qu Yuan escreveu igualmente ‘As Nove Elegias e Adivinhas’, outro longo poema onde levanta mais de cem perguntas. Algumas estão ligadas com fenômenos naturais tais como a criação do céu e da terra, o nascer e o pôr do sol e da lua; algumas falam de antigos mitos e lendas; outras apresentam figuras históricas, A análise, de Qu Yuan é céptica e realista para um homem do seu tempo e este seu poema permitiu preservar até hoje muitos dos antigos mitos e lendas. ‘As Nove Elegias’ são pequenos poemas líricos sobre as próprias experiências e dificuldades do poeta. O mesmo amor pelo país e a angústia, pelo seu destino, expressos em Li Sao, podem ser encontrados nestes poemas:

Agora, a fénix desalojada, 

Canta no santuário e faz o seu ninho.

Murcho está o jasmim raro, 

Bom é o mau, e mau é o bom, 

Luz e escuridão, dia de escuridão, 

Como coração triste parto apressado. 

('Atravessando o Rio’)

Quando foi afastado para o sul do Yangtsé lamentou-se: 

O alto céu mostra-se mais uma vez versátil, 

E dá aguaceiros de calamidades como chuva. 

Os lares são destruídos e amados morrem, 

Para o oriente no princípio da primavera nós voamos. 

('Deixando a capital’) 

Embora tivesse sido blasfemado até à morte, os seus poemas imortais manter-se-ão sempre vivos como inspiração para novas gerações de patriotas. 

Qu Yuan teve como sucessores os poetas Tang Le, Jing Chai e Song Yu; mas só os trabalhos deste último chegaram até nós. Diz-se que Song Yu foi aluno de Qu Yuan e serviu na corte Chu. Partindo dos seus ‘Nove Argumentos’, começou a sua vida como um pobre intelectual, que foi difamado quando se tornou funcionário, razão pela qual perdeu o seu lugar. Os ‘Nove Argumentos’ é um longo poema, escrito depois da sua queda em desgraça, e nele procura demonstrar que não tinha qualquer ligação com o mal. Um longo poema, ‘Réquiem’, atribuído ou a Song Yu ou a Qu Yuan, foi escrito para chamar o espírito do rei depois da sua morte. Nele faz-se o contraste entre o sofrimento do povo nos Estados vizinhos com a prosperidade do seu:

Entre as donzelas sentam-se todos os convidados;

Todos tiram os cintos e as coroas com borlas; 

De uma maneira travessa as donzelas vão-se exibindo; 

A rapariga disfarçou-se como um guerreiro ganha o dia. 

Então jogam às damas e ao xadrez com marfim lavrado;

Divididos em pares os jogos são disputados; 

O dado está lançado, pedem a ajuda dos deuses; 

Divertiram-se até o dia extinto. 

Alguns bateram na urna e na tampa de madeira; 

Alguns tocaram a lira oblíqua e cantaram mais uma vez; 

Beberam vinho, esquecendo o dia e a noite; 

Enquanto as lâmpadas brilhavam as orquídeas murchavam.  

Com habilidade e aptidão, como com doce fragrância; 

Elas cantaram as canções próprias para aquela ocasião; 

Beberam para coroar a sua alegria e louvar o passado. 

Volta, ó alma, volta por fim à pátria! 

Além disso, alguns estudiosos defendem que Song Yu tivesse escrito alguma poesia narrativa; mas esta questão é duvidosa. Os ‘Nove Argumentos’ que Song Yu seguiu a tradição de Qu Yuan e estes são os maiores poetas da literatura do final do período Zhou. 

Nesta altura a China teve igualmente muitos prosadores, que nos deixaram duas espécies de trabalhos: registros históricos e escritos filosóficos. 

Os quatro principais trabalhos históricos são ‘Os Anais do Período da Primavera e Outono’, ‘Zuo Zhuan’, ‘Guo Yu’ e ‘Guo Ce’. Os ‘Anais do Período da Primavera e Outono’ são um breve registro cronológico feito por historiadores oficiais do Estado Lu, relatando os principais acontecimentos dos princípios do período Zhou do Este. Confúcio usou este livro para ensinar os seus alunos mas, provavelmente, não foi o seu autor. Visto estes registros serem muito curtos, o seu valor literário é pequeno. 

O ‘Zuo Zhuan’ e o ‘Guo Yu’, que registram a historia do mesmo período, são mais detalhados. Sob o ponto de vista literário, o ‘Zuo Zhuan’ ultrapassa todos os outros em valor. Oferece-nos descrições vivas e verdadeiras das extravagâncias e crueldade de certos tiranos, esboços convincentes de heróis e homens de Estado famosos e relatos simpáticos da vida do homem comum. 

As narrativas de cenas de batalhas são famosas pela brilhante economia de linguagem utilizada pelo autor na ilustração de situações complexas. Por exemplo, quando os Estados de Qin e Jin estavam prestes a travar batalha em Yao, o exército Qin decidiu fazer um ataque de surpresa contra o Estado Zheng. Atravessando a porta norte do Zhou do Este, os soldados comportaram-se tão insolentemente que até mesmo as crianças podiam prever a sua derrota; e antes mesmo de chegarem a Zheng a finalidade deles foi descoberta: 

Em Hua encontraram-se com um mercador de Zheng chamado Xuan Gao, que ia em viagem de negócios para a cidade de Zhou. Ele presenteou-os com quatro peles e doze bois. "O nosso príncipe soube que as vossas forças tencionavam passar pela nossa humilde cidade e com todo o respeito oferece estes presentes aos seus homens", disse o mercador. "O nosso humilde Estado não é rico, mas para vosso benefício prepararemos comida para um dia se ficarem, ou uma noite de sentinela se continuarem." E mandou um rápido mensageiro à cidade de Zheng. 

Visto que Zheng estava preparado, o exército Qin voltou para trás para ser derrotado pelas forças Jin e três generais foram capturados. Esta narrativa não dá unicamente uma descrição pormenorizada da campanha, mas uma visão da astúcia e patriotismo do mercador. O ‘Guo Yu’ é menos vivo. Ambos os trabalhos, tradicionalmente atribuídos a Zuo Qiuming, são de fato obra de escritores desconhecidos do período dos Reinos Combatentes.

O ‘Guo Ce’ é um trabalho posterior. Dá-nos nota de acontecimentos do período dos Reinos Combatentes: as várias alianças, as lutas entre os antigos e os novos proprietários rurais, as atividades dos literatos; a prosperidade econômica dos Estados e o sofrimento da classe laboriosa. O ‘Guo Ce’ inclui um certo número de fábulas, como aquela que Su Dai conta ao rei Hui de Zhao, que estava prestes a atacar o Estado de Yen, não tendo em conta que o rei Qin pretendia tirar partido desta querela: 

Um mexilhão estava a abrir as suas conchas para se aquecer ao sol, quando uma narceja apanhou-o com o bico. O mexilhão segurou-se ao bico da ave rapidamente. "Se não chover amanhã", disse a narceja, "haverá um mexilhão aqui morto". "Se não decidires deixar fugir a tua presa hoje ou amanhã," retorquiu o mexilhão, "haverá aqui também uma narceja morta". Como nenhuma quis desistir, um pescador que passava apanhou os dois. 

Ainda atualmente na China se fazem alusões a esta 'luta entre o mexilhão e a narceja. "Desenhando uma Serpente com Pernas" e "A 'Raposa que Aproveitou o Poder do Tigre" são algumas das fábulas coloridas e compactas que constituem o ‘Guo Ce’ que têm um certo conteúdo moral. 

Um outro importante ramo da prosa foi escrita pelos filósofos do período que pretendiam propagar as suas ideias. Estes pensadores representam diferentes interesses de classe. O grupo chefiado por Confúcio era a chamada escola Ru. Confúcio era proveniente da nobreza que declinava e na esfera das ideias tentou manter alguns princípios do antigo sistema, embora tivesse de fazer algumas concessões tendo em vista as novas circunstâncias e ascensão dos novos latifundiários. Algumas das suas ideias, até apressaram a queda do sistema pré-existente. Na sociedade feudal, que durou na China mais de 2.000 anos, a filosofia de Confúcio constituiu a ideologia básica da classe dominante justificando o seu controle sobre o povo. Confúcio teve muitos discípulos e a propaganda 'dos seus princípios teve um papel positivo na formação e desenvolvimento da cultura chinesa. Os seus principais sucessores foram Mêncio e Xun Zi. As palavras de Confúcio foram registradas pelos seus discípulos nos ‘Analectos’. Outros dois livros, cujos títulos são os nomes dos seus autores, preservaram os ensinamentos de Mêncio e Xun Zi. Os ‘Analectos’ consistem, unicamente de pequenos ditos, com um estilo simples e direto, mas existem também algumas discussões vivas entre Confúcio e os seus discípulos. Eis uma passagem representativa do princípio do livro segundo: 

O Mestre disse: Aquele que governa pela força moral é como a estrela polar, que não se move enquanto as estrelas mais importantes a homenageiam. 

O Mestre disse: Se tivesse de escolher uma frase das trezentas Canções que cobrisse todos os meus ensinamentos, eu, preferia: "Não deixem haver mal nos vossos pensamentos." 

O Mestre disse: Governa o povo por regulamentos, mantém a ordem entre ele castigando-o e, ele fugirá de ti e perderá todo, o respeito próprio. Governa-os através da força moral, mantém a ordem como um ritual e eles conservarão o respeito próprio e virão até ti de livre, vontade. 

O Mestre disse: Aos quinze anos dediquei-me de alma e coração à aprendizagem. Aos trinta, tinha os pés assentes no chão. Aos quarenta, já não ficava perplexo. Aos cinquenta, sabia as ligações com o Céu. Aos sessenta, ouvia-os de uma forma doce. Aos setenta; podia seguir o que me ditava o coração; pelo que não pretendo jamais ultrapassar as fronteiras do direito. 

O ‘Livro de Mêncio’ apresenta uma prosa mais variada e eloquente e alguns argumentos são cuidadosamente tratados. A história do homem de Qi e as suas duas mulheres é bem conhecida. Este homem gabava-se de ter todos os dias festas com ricos e nobres, mas as mulheres não o acreditavam: 

A mulher disse à concubina: "Todas as vezes que o nosso homem sai, volta cheio de vinho e carne, e quando lhe pergunto onde esteve no festim, diz que foi com ricos e nobres. Mas nem sequer um único homem de linhagem esteve alguma vez aqui. Quero descobrir onde ele vai." Na manhã seguinte, conforme o planeado, ela seguiu o marido quando este saiu de casa; mas nem uma única alma na cidade lhe falou. Por fim aproximou-se dalguns carpinteiros que estavam a fazer sacrifícios no arrabalde oriental, pedindo o que restava das suas oferendas. Não satisfeito com isto, aproximou-se doutros ofertantes até que encheu a barriga. A mulher foi para casa e disse à concubina: "Nós temos o nosso marido para que nos ajude em toda nossa vida, mas isto é o gênero de homem que ele é." Então o insultaram e choraram no pátio até que o marido, desconhecendo isto, voltou para casa e começou novamente a vangloriar-se. 

Isto é uma sátira àqueles que se humilham a fim de assegurarem a riqueza e o conforto, Escritores posteriores usaram esta história em peças ou baladas para atacar diversos abusos sociais. Embora Mêncio defendesse o sistema feudal, o seu princípio que o "povo vem em primeiro lugar" tinha um significado bastante positivo. 

Xun Zi defendia o uso da cerimônia e castigos, atacando o fatalismo e a superstição. A sua filosofia, desenvolvida pelos seus discípulos, fornecia a base teórica para a centralização política das dinastias Qin e Han. A sua prosa é sucinta e lógica, comparada com a de Mêncio, como se pode ver por esta passagem:

A natureza do homem é má - a bondade se adquire pelo treino. O princípio básico atual da natureza humana é a busca do lucro. Se este desejo for seguido, resultam conflitos e rapacidade, e a cortesia morre. O homem por natureza é invejoso e inveja os outros. Se estas tendências forem seguidas, resulta a injúria e a destruição, e a lealdade e camaradagem são destruídas. O homem possui o desejo pelo ouvir e o ver; gosta do louvor e é libidinoso. Se os seguirem, resultam impureza e desordem, as regras de uma conduta digna, justiça e cultura refinada desaparecem. Por isso se se der azo a que vingue a natureza original do homem, que siga os seus sentimentos, resulta, inevitavelmente, em luta e rapacidade, conjuntamente com a violação dos bons costumes e confusão na forma como fazer as coisas: há uma inversão para um estado de violência. Por isso a influência civilizadora de professores e leis, os ensinamentos dos ritos e justiça, é absolutamente necessária. A partir daí a cortesia aparece, o procedimento culto é observado e como consequência surge um bom governo. Seguindo este argumento é evidente que a natureza do homem é má e a bondade é adquirida. 

Apareceram muitas escolas além do confucionismo, sendo as principais a moísta, a taoísta e a legalista. Entre os seus principais escritos incluem-se ‘Mo Zi’ por Mo Di e seus discípulos, o ‘Dao De Jing’ da autoria de Li Er, ‘Zhunag Zi’ de Zhuang Zhou e seus discípulos e ‘Han Fei Zi’ por Han Fei e outros. Os moístas, que se opunham aos adeptos de Confúcio, estavam mais próximos do povo e a prosa de Mo Zi é simples e sem adornos.

Li Er e Zhuang Zhou eram taoístas que atacavam o sistema feudal e desejavam um regresso a um sistema agrário coletivista. Os seus ensinamentos contêm as raízes do pensamento científico chinês e os conceitos de democracia, embora Li Er tenha percebido as contradições do mundo objetivo. O ‘Dao De Jing’ é escrito numa linguagem sucinta e bela, com imagens vivas para ilustrar ideias profundas. Aqui, por exemplo, está uma descrição viva da dialética da Natureza: 

Entre as criaturas do mundo algumas vão à frente, as outras seguem-nas: 

Alguns sopram quente enquanto outros o fazem frio; 

Alguns sentem-se vigorosos enquanto outros, derreados, 

Alguns estão-se enchendo enquanto outros só dando 

Embora o sábio renuncie ao "absoluto", ao "tudo incluído", ao "extremo". 

A prosa de Zhuang Zhou é fluida e viva, algumas vezes mesmo sublime. Em vez de descrições simples de fatos, usa muitas vezes a anedota. Profunda imaginação e um agudo poder de observação tornam todo o seu trabalho de uma vivacidade soberba. A história do cozinheiro que cortava um boi é um bom exemplo do seu estilo:

O cozinheiro do senhor Wen Hui estava a cortar um boi. Cada pancada da sua mão, cada elevação do seu ombro, cada passo, cada pressão dos seus joelhos, cada vez que cortava uma fatia de carne, cada golpe de cutelo estavam em perfeita harmonia...  “Admirável", gritou o senhor Wen Hui. "Sois um perito". O cozinheiro baixou o cutelo e disse: “O vosso servo gosta de seguir as regras, o que é melhor que a perícia. Quando comecei a cortar bois, eu via unicamente toda a carcaça; mas depois de três anos de prática, não vejo já animais inteiros. Agora trabalho com o cérebro e não com os olhos' ... Ao toque do meu cutelo a carne sai do osso como a terra se solta do solo. Então com o cutelo na mão eu olho em volta triunfalmente antes de o limpar e guardá-lo." "Bravo", gritou o senhor Wen Hui. "Com as palavras deste cozinheiro aprendi a defender a minha vida." 

Esta deliciosa anedota ilustra a necessidade de compreender as leis objetivas da Natureza. Como o cozinheiro tivesse compreendido a anatomia do boi, depois de dezenove anos de uso do cutelo; este era melhor de que quando novo. As descrições do ‘Zhuang Zi’ são sempre vivas e convincentes.

Han Fei, o expoente máximo dos legalistas, foi discípulo de Xun Kuang, era contra a velha nobreza e apoiava os novos proprietários rurais. O seu estilo é preciso e mostra um penetrante espírito de análise. Os seus escritos incluem muitas fábulas persuasivas e parábolas como "Comprando o Guarda-Jóias sem Pérolas", "O Escudo e a Lança" e "Esperando pela Lebre". 

Começaram neste período a surgirem as histórias e os dramas. A origem da ficção está ligada de perto com os mitos e as lendas, que circularam, inicialmente, por tradição oral, passando gradualmente a literatura escrita. Alguns deles chegaram até nós em ‘O Livro de Canções’ e o ‘Chu Ci’, e muitos outros em ‘O Livro das Montanhas e Mares’. Embora os antigos literatos atribuíssem este trabalho a um lendário Yu ou Yi, na realidade foi escrito no período dos Reinos Combatentes, sendo algumas partes acrescentadas nas dinastias Qin e Han. Embora pretenda ser um registro geográfico, tem menos fatos do que ficção, e a sua descrição de diferentes montanhas e rios contém magníficas lendas, algumas de significado muito profundo como a história do pássaro chamado Jingwei:

A duzentos li para o norte fica a montanha Fajiu, cujas encostas se encontram cobertas com árvores zhe. Há ali uma ave semelhante à um corvo com bico branco e patas vermelhas, chamada jingwei proveniente do som que emite. Esta ave era Nu Wa, a filha mais nova de Yan Di, que se afogou enquanto nadava no oceano Ocidental e transformou-se num pássaro. Durante todo o dia carrega madeira e pedras da Colina Oeste para encher o mar. O rio Zhang nasce aqui, correndo na direção este para o Rio Amarelo. 

Este mito também reflete a vontade dos nossos antepassados para conquistarem a natureza e a sua coragem para enfrentarem os obstáculos.

Outra obra desta época é As Viagens do Rei Mu de autor desconhecido. É uma mistura de história e fantasia, baseada na lenda que o rei Mu da dinastia Zhou tinha viajado por todo o mundo. Faz-se uma listagem dos diferentes lugares que ele visitou e o rei é descrito como um monarca que costumava escutar os conselhos que lhe davam e que tinha no coração o bem-estar dos seus súditos. O verdadeiro rei Mu não foi, possivelmente, um governante assim tão bom, mas escrevendo desta forma o autor mostrava os seus anseios pela melhoria das condições do povo. 

As fábulas misturadas com tantos escritos históricos e filosóficos, alguns dos quais até são citados, deram um grande impulso ao nascimento da ficção. 

O drama surgiu das danças rituais que minimizavam certas histórias. Estas danças, ligadas na maior parte das vezes à produção e à fertilidade constituíam a parte principal das cerimônias dos sacrifícios. Como estes ritos antigos frequentemente tinham a forma de dramas insípidos, deve ser neles que encontramos a origem chinesa desta forma de arte. ‘O Livro de Canções’ e o ‘Chu Ci’ lançam alguma luz sobre a questão. A princípio os atores eram bruxos e xamãs cujo propósito era agradar aos deuses. Em seguida apareceram palhaços que representavam danças dramáticas para entreter os homens. Os palhaços apareceram muito cedo na China, mas não se tornaram populares até ao período dos Reinos Combatentes. Eles eram excelentes dançarinos, músicos, bobos e acrobatas, cuja influência no drama, posteriormente, foi considerável. 

Deste breve resumo da literatura da dinastia Zhou, pode-se concluir que a poesia ocupou um lugar proeminente - nesta altura produziram-se poemas e poetas imortais. A prosa desenvolveu-se igualmente, principalmente na forma de escritos históricos e filosóficos de caracteres marcadamente humanísticos e didáticos, enquanto a ficção e o drama davam os seus primeiros passos. Mas a tradição da literatura chinesa clássica já começava a emergir e as condições eram favoráveis ao seu desenvolvimento. 


As Dinastias Qin e Han

Depois do período da Primavera e Outono a velha economia foi, gradualmente, sendo substituída por uma nova de latifundiários. No século III aec, Oin Shi Huang, o primeiro imperador Qin, uniu toda a China e iniciou o primeiro império autocrático da história chinesa. Os 800 anos que se seguiram, desde essa altura até ao fim do século VI, podem ser considerados como o 3° estádio de desenvolvimento da literatura chinesa.

A unificação da China representa um grande avanço histórico. Durante este período alargaram-se as fronteiras do império e houve um aumento populacional. A agricultura progrediu e o comércio e o artesanato desenvolveram-se. Muitas descobertas científicas foram feitas, incluindo a invenção do papel e da bússola. Os terratenentes, que conservaram o poder político geração após geração, tinham igualmente o monopólio da cultura e a elite desta classe vivia luxuosamente. Mas os camponeses, oprimidos com os altos impostos e com o serviço militar obrigatório, tornaram estes 800 anos difíceis e durante o período assistiu-se a uma série de revoltas-campesinas.

A dinastia Qin manteve-se no poder apenas 15 anos e o único escritor conhecido foi Li Si, mas o seu trabalho não pode ser considerado de muito boa qualidade. Durante a dinastia Han surgiu o famoso historiógrafo Sima Qian, um génio da prosa clássica chinesa. 

Sima Qian era natural de Longmen, atualmente Shaanxi. Nasceu cerca de 140 aec e morreu no princípio do século I aec. O seu pai era o astrólogo e historiador da Corte, e Sima Qian sucedeu-lhe no lugar. Para recolher material histórico, viajou por toda a China e contatou com os descendentes e amigos de homens famosos. Mais tarde foi punido com castração por ter defendido um general caído em desgraça, mas para levar a cabo a 'sua grande obra aceitou esta indignidade pacientemente. O clássico imortal, ‘Os Registros Históricos’, é o resultado do seu meticuloso trabalho e de um brilhante poder de observação e análise. 

Os ‘Registros Históricos’ é a primeira história geral chinesa e nela Sima Qian deu-nos um vivo e sistemático relato de muitas ocorrências históricas e mudanças sociais. A sua pena inspirada reanima complexos acontecimentos históricos e presenteou-nos com uma galeria inultrapassável de retratos dos mais altos até aos mais humildes da terra. A história de como Lin Xiangru salvou o Estado Zhao é conhecida atualmente através toda a China graças a Sima Qian. Lin Xiangru era um oficial de baixa patente durante o período dos Reinos Combatentes, cujo rei possuía um precioso emblema em jade que o rei Qin cobiçava. O soberano Qin ofereceu 15 cidades por aquela pedra; embora isto não passasse de um truque, pois Qin era tão poderoso que o rei Zhao não sabia como recusar. Então Lin Xiangru ofereceu-se como voluntário para ir negociar, com Qin, prometendo regressar ou com as 15 cidades ou com o jade. Eis a maneira como Sima Qian descreve o seu procedimento na corte Qin: 

Vendo que o rei não tencionava dar ao Zhao as cidades, Xiangru avançou e disse: "Há um defeito nesse jade. Deixe-me mostrar a V. Majestade." Quando o rei lhe passou o jade, ele encostou-se a um pilar. O cabelo eriçou-se com a raiva e gritou: “Como V. Majestade não faz tenção de dar essas cidades ao Zhao, vou levar de volta o jade: Tente tirar-mo à força e eu partirei a pedra e a cabeça contra este pilar!" Olhando-o de soslaio fingiu preparar-se para o esmagar. 

A caracterização é magnífica. A coragem, ingenuidade, e patriotismo de Lin Xiangru estão bem presentes com uma grande economia de palavras. E esta sua habilidade como enviado explica como um pequeno funcionário foi designado para ser chefe dos ministros do Zhao. Mas Lian Po, um famoso general do Zhao, não tinha qualquer respeito por ele e tentava humilhá-lo. Quando Lin Xiangru soube disto, tentou evitar encontrar-se com Lian Po. E quando os seus apaniguados protestaram, ele explicou:

Embora o rei Qin seja poderoso, rugi-lhe na sua corte e tomei algumas liberdades com os seus ministros. Portanto não sou fraco, porque havia de temer o general Lian? Mas somos nós os dois a razão pela qual o poderoso Qin não se atreve a invadir o reino Zhao. Se dois tigres lutam, um deve morrer. Eu tomo esta atitude porque ponho em primeiro lugar o nosso país e as questões pessoais a seguir. 

Estas palavras magnânimas demoveram o general, que apresentou desculpa a Lin Xiangru e depois disso tornaram-se dois bons amigos. Sima Qian não só deu um vivo e convincente retrato de dois patriotas, mas pela riqueza do realismo da sua descrição, restituiu à vida estes velhos heróis. Porque escolhe os acontecimentos de maiores consequências nas suas recolhas históricas, todas as suas personagens têm uma ampla significação. Ainda mais a sua acuidade e um sentido perfeito do que está certo e errado dá grande profundidade de sentimentos ao que escreve e faz das cenas que descreve retratos inesquecíveis. Esta a razão porque consideramos ‘Os Registros Históricos’ como uma das obras-primas da literatura bem como uma grande história.

Um sucessor de Sima Qian foi Ban Gu, que escreveu a ‘História da Dinastia Han’. Ban Gu nasceu em Anling na actual Shaanxi, vivendo entre 32 e 92. O pai, Ban Biao, e a sua irmã mais nova, Ban Chao, ajudaram-no a recolher os materiais para a sua história, mas foi ele quem escreveu quase toda a obra. Tinha uma análise mais conservadora do que Sima Qian; mas a sua prosa, apesar de não tão brilhante, é concisa e fluente. Também nos deixou autênticos e comovedores esboços de figuras históricas. Por exemplo, à figura de Su Wu que não se deixa influenciar por Wei Lu na sua pretensão de se render aos Hunos: 

Quando Su Wu não respondeu, Wei Lu disse: "Se seguires o meu conselho de te renderes, tornar-nos-emos irmãos pelo juramento. Se não me escutares, nunca mais me verás." Então Su Wu jurou-lhe: "Não voltar a ver-te - um súdito que se esqueceu da bondade do seu soberano e o trai para te juntar aos bárbaros ... ". Quando Wei Lu viu que não conseguia persuadi-lo, foi dar a informação ao Khan, que ainda mais desejou a sua rendição. Em consequência disso aprisionaram-no numa grande masmorra, sem lhe darem de comer e de beber. Nevou, e chupando e mastigando a neve e pelos de rabo do boi, Su Wu não morreu durante alguns dias, para espanto de todos os Hunos. 

Um contemporâneo muito dotado de Ban Gu foi o pensador Wang Chong, natural de Shangyu, atualmente Zhejiang. Nasceu no ano 27 e morreu nos finais desse século. Como a família fosse relativamente pobre, não foi fácil para ele estudar, mas para o conseguir, serviu como oficial de baixa patente e ensinou numa escola. A sua filosofia céptica e racionalista está largamente demonstrada nos Discursos Pesados na Balança que escreveu para combater as superstições correntes e as escolas de pensamento que defendiam os interesses das classes ricas. Teve coragem para atacar Confúcio e Mêncio, os sábios da sociedade feudal, e de se opor aos funcionários corruptos e incompetentes. Há elementos de materialismo no seu pensamento e a sua forma de encarar a literatura é esclarecedora, como podemos ver pela seguinte passagem: 

O jade dentro de uma rocha ou uma pérola escondida na barriga de um peixe não pode ser visto; mas quando o jade cintila, do coração da rocha ou: quando a pérola cintila através da barriga do peixe, os seus brilhos não sé podem esconder. Por isso os meus pensamentos, quando não conhecidos, mas guardados no meu coração, são como jade e as pérolas ocultas. Aparecendo, eles são como jade e as pérolas revelando o seu brilho. A literatura deve ser difícil de escrever, mas fácil de compreender: não há qualquer mérito num escrito fácil mas que é obscuro. Os argumentos devem resolver os problemas e serem persuasivos; não servem para nada se forem envolventes e ininteligíveis. 

Wang Chong pôs esta teoria em prática, pois a sua linguagem é clara e fluente, a sua sintaxe concisa e os seus argumentos são persuasivos. Numa altura em que o eufuismo começava a estar na moda, a sua prosa tinha uma simplicidade que a distinguia. 

Muitos escritores da dinastia Han utilizaram o sistema Fu, uma prosa poética descritiva interpolada com versos. Esta forma literária nasceu do povo e foi aproveitada pelos estudiosos, que cultivavam um estilo eufuístico. Há muitos escritos interessantes deste tipo, mas poucos se podem considerar verdadeira literatura. As canções populares conhecidas por Yue Pu, a maior parte das quais tem cinco palavras por verso, têm muito mais valor que o Fu deste período. 

Yue Fu significava, primitivamente, o funcionário encarregado da música durante a dinastia Han. Visto que as canções populares recolhidas por este funcionário tiveram grande influência nos escritores; e pouco a pouco todas essas canções começaram a ser conhecidas por Yue Fu e estas canções populares das dinastias Han e do Sul e do Norte são uma parte importante da herança cultural da China. 

Muitas das canções populares Han descrevem a vida do povo humilde e os seus problemas. “A Porta do Este" conta a história de um casal pobre que não arranjam modo de subsistência e decidem tornarem-se salteadores. "A Esposa Doente" descreve como um homem cuja mulher tinha morrido de doença tenta cuidar dos filhos órfãos. "A Canção' do Órfão" conta os sofrimentos de um rapaz às mãos do seu irmão mais velho e da cunhada:

Mandaram buscar água ao nascer do sol, 

Não cheguei a casa antes dó anoitecer, 

As mãos gretadas e a sangrar, 

Pés descalços, 

Caminho sobre a terra gelada, 

Espetando espinhos aos milhares

Mas aguda a dor me faz vibrar. 

Amargurado  

As minhas lágrimas caem 

Pérola após pérola. 

No inverno não tenho casaco, 

No verão não tenho camisa...

Outras canções contam os horrores da guerra. Assim "Lutando ao Sul do Castelo" começa: 

Eles combateram ao sul do Castelo; 

Eles morreram ao norte da Muralha. 

Eles morreram nas pradarias e não foram enterrados, 

A carne deles foi comida pelos corvos. 

"Eu Combati pelo Meu Senhor desde os Quinze" é uma cantiga que conta a história de um homem que serviu como soldado durante 65 anos e que encontra todos os familiares mortos quando regressa a casa. Estas líricas mordazes e obsidiantes estão entre as melhores obras da dinastia Han. Os apelos que fazem às melhores qualidades dos homens e as suas formas naturais, por isso mesmo belas, foram uma fonte de inspiração para numerosos escritores posteriores.

Este período assiste igualmente ao desenvolvimento da ficção e do drama. 

Algumas das histórias de ficção atribuídas a autores da dinastia Han são na realidade apócrifas. Há, contudo, alguns trabalhos de ficção genuinamente do período Han, que não têm sido classificados como tal. Assim ‘Anedotas sobre um Livro de Canções’ por Han Ying, o ‘Jardim das Anedotas’ e ‘Novos Discursos’ da autoria de Liu Xiang contêm muitas histórias breves com fins morais e melhores do que seria de esperar. Igualmente, ‘A História Perdida de Yue’ de Yuang Kang e Wu Ping e ‘Anais de Wu Yue’ de Zhao Ye podem ser considerados como romances históricos. Mostram um melhor desenvolvimento do que ‘As Viagens do Rei Mu’.

O desenvolvimento do drama não foi assim tão marcante. Durante a dinastia Han havia espetáculos de acrobatas e bonecos representados por bobos. Os espetáculos acrobáticos tiveram uma origem popular e combinava-se com histórias, canções e danças. O espetáculo de bonecos crê-se terem começado como ritos para exorcizar os demônios, mas transformaram-se como que em peças e tornaram-se numa forma de entretenimento popular, que continuou a ser um dos favoritos após a dinastia Han.