Versão A. Bueno [2012]
Um dia Confúcio
descansava, e Zengzi estava do seu lado. Disse o mestre: meu querido, os reis
antigos tinham leis perfeitas, virtude e faziam todos viverem em harmonia, sem
brigas entre os de cima e os de baixo. Você sabia disso?
Zengzi respondeu: não
sou inteligente mestre, não sei isso. Como saberia?
O Mestre disse: a
Fraternidade é o fundamento da virtude. Aprenda e viverá. Eu vou te ensinar.
Corpo, membros, cabelo e pele, cada pedacinho, são nossos pais que nos deram.
Tenha o cuidado de não os envergonhar ou machucar. Essa é a primeira obrigação
da Fraternidade. Quem legar seu nome na vida, no trabalho, e para as gerações
futuras, esse alguém atingiu a Fraternidade perfeita.
A Fraternidade começa
servindo os pais, depois ao governante, por fim no cultivo de si mesmo.
O Tratado das Poesias
diz: pense nos antigos, cultive sua virtude.
*
O Mestre disse: quem
ama os pais não faz mal a ninguém. Quem respeita os pais, respeita os outros.
Amor e respeito são a base da Fraternidade com os pais: quem dá o exemplo serve
de modelo nos quatro cantos da Terra. Por isso, mesmo o filho do Céu é
fraterno. O tratado dos livros diz: o Céu abençoa o soberano fraterno, e todos
são abençoados juntos.
*
Se quem está acima é
sem orgulho, não há perigo. Sendo moderado e atencioso, não exagera. Assim ele
mantém sua condição educada, e pode cuidar das coisas [posses]. Sendo Educado e
sabendo cuidar das coisas, ele mantém o povo em paz. Por isso os governantes praticam
a Fraternidade. O Tratado das Poesias diz: seja atento e cauteloso, como se
estivesse à beira de um abismo ou andando sobre gelo fino.
*
Sem as boas leis dos
reis de antigamente, ninguém iria querer servir, nem se atreveria a governar.
Sem a virtude dos reis de antigamente, ninguém iria fazer nada. Sem ordem não
há diálogo, sem regras não há ação coerente. Sem dialogo e sem ação, nada pode
ser feito. Mas se pudermos dialogar e agir, de forma coerente e sem excessos,
sem maldade e de boa fé, então alcançaremos as três condições fundamentais para
a família existir. Por isso, ministros e funcionários são fraternos. O Tratado
das Poesias diz: dia e noite, a serviço do governo.
*
Cuide dos pais e
alcance o amor universal. Cuide dos superiores e alcance o respeito universal.
Assim os pais alcançam o amor e os superiores o respeito. Quem alcança as duas
coisas é o modelo. Leal é aquele que se devota ao governante, obediente é
aquele que respeita os superiores. Quem é leal e obediente aos superiores sabe
se preservar no seu lugar e cuidar dos deveres. Por isso ministros e superiores
são fraternos. O Tratado das Poesias diz: se levante cedo, não durma tarde,
sempre respeitando os pais.
*
O Mestre disse: com a
benção do Céu e o trabalho na Terra, se dedicando e economizando, deve-se
sustentar os pais. Isso é a Fraternidade do povo. Por isso, de cima a baixo, do
Filho do Céu ao povo, a Fraternidade não tem fim nem começo. Não há quem a
desconheça ou não possa praticá-la.
*
Zengzi disse: isso é
incrível! Como a Fraternidade é grande!
O Mestre disse: a
Fraternidade é a lei do Céu para a prática na Terra, e deve ser cumprida pelo
povo. Se o Céu e Terra dizem, o povo deve fazer. Praticando as regras do Céu e
da Terra para administrar o mundo, sem exageros, o governo será austero e
popular. Os reis de antigamente ensinaram isso para cuidar do povo. Se os de
cima forem fraternos, o povo vai cuidar dos pais. Se os de cima forem
virtuosos, o povo vai segui-los. Se os de cima forem ponderados, o povo será
calmo e pacífico. Se ensinarem música e cultura, o povo será esclarecido. Se
ensinarem o apropriado e o inapropriado [‘ritos’], o povo será comportado. O
Tratado das Poesias diz: quando o modelo é perfeito, os outros o vêem e o
seguem.
*
O mestre disse:
Antigamente, os reis governavam pela Fraternidade. Não descuidavam de ninguém;
ministros e nobres, duques e marqueses, condes e barões. Assim tinham o apoio
de todos os estudados para o seu governo. Nas capitais, os governantes cuidavam
das viúvas e dos pobres, dos velhos e crianças, dos nobres ao povo. Assim
tinham o apoio de todos para o governo dos reis.
Os chefes de família
não desrespeitavam criados ou concubinas, esposas ou filhos. Assim, tinham o
amparo da família para sua chefia. A natureza exige que, em vida, eles sejam
cuidados com afeto e carinho; mortos, que lhe sejam feitos os sacrifícios
ancestrais. Isso trará paz ao mundo, não haverá calamidades, nem revoltas ou
desordens.
Era assim que os reis
de antigamente governavam pela Fraternidade.
O Tratado das Poesias
diz: se a virtude guia, o império segue.
*
Zengzi disse: mas e os
sábios, eles não estão além da Fraternidade?
O Mestre disse: entre o
Céu e a Terra está a humanidade. Na humanidade, o principal é a Fraternidade. E
a Fraternidade é o respeito aos pais, que só é comparável ao Céu. O Duque Zhou
é um modelo a seguir. Uma vez ele fez o sacrifício ancestral a Huoji no Altar
Sagrado, para cumprir os deveres do Céu. Nos ritos familiares, fez um
sacrifício ancestral no salão dos abençoados para cumprir seus deveres
devocionais. Assim, cada um tem o rito que lhe cabe. E porque os sábios
estariam acima da Fraternidade? Eles são pais, eles são filhos, tem seus
deveres familiares. Os sábios ensinavam justamente isso, ser fraterno e amar ao
próximo.
Os sábios ensinam sem
exagero, e governam sem dureza. Eles cuidam do fundamental.
O Mestre disse: as
relações entre pais e filhos vêm da natureza. Príncipes e vassalos são como
pais e mães. A devoção aos governantes e pais é o mais importante.
O Mestre disse: quem
ama aos outros, mas não aos pais, perverte o amor. Quem respeita os outros, mas
não aos pais, estraga o respeito. Se isso ocorrer, o povo não terá exemplos.
Sem exemplos, se desgoverna, e não dá valor a dignidade.
Se o sábio não o fizer,
quem o fará? Quem ensinará o que é a virtude, o amor e o respeito? Quem será o
exemplo? Não se pode ter exemplos errados, nem procedimentos incertos. No
governo do povo, se começa pelo respeito e se completa pelo amor. Só com bons
exemplos se pode fazê-lo. Esse será um bom governo. O Tratado das Poesias diz:
nada desabona a conduta de um Educado.
*
O Mestre disse: o filho
fraterno é respeitoso; no sustento dos pais, os satisfaz; na doença, os cuida;
na morte, os vela; nas cerimônias, ora por eles. Se ele cumpre essas cinco
condições, ele serve aos seus pais. Quem serve aos pais, sendo superior, não
será insensível; sendo inferior, será controlado.
Se o superior for
insensível, [um dia] ele será expulso. Se o inferior for revoltado, [um dia]
ele será executado. Quem briga com os próximos, será morto [morrerá brigando].
Quem comete esses três erros, pode dar o melhor sustento aos seus pais, mas não
é fraterno.
*
Nos ‘Cinco capítulos
das leis’ há três mil regras. Mas o pior crime é a falta de Fraternidade. Quem
conspira contra o governante não respeita hierarquia; quem se opõe ao sábio não
respeita a lei; quem não é fraterno maltrata os pais. Essa é a causa das
revoltas e das crises.
*
O Mestre disse: para
amar os pais, ensina ao povo a Fraternidade. Ensina lealdade e lei, e terá
respeito e ordem. Ensina música e terá moral e cultura. O superior, para
governar, deve seguir as regras antigas. As regras são uma coisa só: respeito.
Pais se alegram com o
respeito dos filhos; filhos se alegram com o respeito dos pais; os irmãos mais
velhos se contentam com o respeito dos mais novos; o governante se contenta com
o respeito dos nobres; o imperador se alegra com o respeito das pessoas, e o
respeito dele alegra a todos. Os que respeitam são poucos, os que se alegram são
muitos. Esse é o caminho.
*
A base da educação de
um mestre é a Fraternidade. Não é preciso ter família para saber isso. A
Fraternidade ensina que todos no mundo são pais, e que todos devem respeito uns
aos outros. O Tratado das Poesias diz: o governante é o pai e a mãe do povo.
Sem uma moral baseada no respeito, como governar um povo tão grande?
*
O Mestre disse: o
Educado é fraterno com os pais, e leal ao governante. A Fraternidade dos irmãos
se estende aos superiores. Quem governa uma casa pode ter um posto, e quem
realiza deixa um legado.
O Mestre disse: ao
entrar numa casa, se há respeito entre pai e irmãos, esposas e filhos, servos e
concubinas, esse é um exemplo.
*
Zengzi disse: mestre,
já entendi o que significa cuidar da família, respeitar, atender aos pais e
manter seus nomes. Mas queria perguntar: como se obedece aos pais? Isso é
Fraternidade?
O Mestre disse: isso é
importante, isso é importante! Antigamente o filho do Céu tinha sete funcionários
para aconselhá-lo. Mesmo não sendo sumamente perfeitos, o Estado ia bem. Os
príncipes tinham cinco, e mesmo não sendo sumamente perfeitos, o Estado ia bem.
Um ministro tinha três conselheiros, e mesmo com poucas virtudes, a família ia
bem. Educados e amigos o aconselhavam, e por isso não se perdiam os bons nomes.
Os filhos aconselhavam
os pais, e por isso não se perdiam em indignidades. Os filhos avisavam quando
os pais erravam, assim como os ministros avisam os governantes. Quando algo era
inapropriado, eles lhe avisavam: isso é a Fraternidade no obedecimento aos
pais.
*
O Mestre disse:
antigamente os reis sábios serviam oferendas ao Céu e aos espíritos quando
cumpriam luto pelo pai; e serviam oferendas à Terra quando cumpriam luto pela
mãe.
Quando há ordem entre
os velhos e moços, há harmonia entre o Céu e a Terra. Os ritos para o Céu e a
Terra são os costumes para os vivos e os mortos também. Por isso o filho do Céu
respeita os ritos. Ao falar dos pais, ele fala dos ancestrais; ao ser leal, não
esquece os pais; será respeitoso e dedicado, para não desonrar os pais. O
respeito à família é a devoção aos ancestrais. Assim, ser fraterno e respeitoso
é servir aos vivos e aos mortos. Com esse exemplo brilhante, a luz chega a
todos os cantos. Do norte ao sul, leste a oeste, não há quem não siga esse
exemplo.
*
O Mestre disse: um
Educado, no serviço do seu senhor, se esmera em atenção e lealdade. Depois
pondera, conserta os erros, e busca ser perfeito. Com isso, tem amigos entre os
de cima e os de baixo. O Tratado das Poesias diz: se há amor no peito, não há
distância. Amigos do coração não se esquecem.
*
O Mestre disse: [no
funeral dos pais] o filho fraterno chora sem artificialidade, cumpre os ritos
sozinho, fala sem rapapés, não veste roupas caras, ouve música mas não se
anima, come sem gosto. Isso é normal.
Depois de três dias,
volta-se a comer: pois as pessoas não podem prejudicar sua vida em função dos
mortos. Os mortos não mandam na natureza, foi o que os sábios do passado
disseram. O luto não pode passar de três anos, para ensinar ao povo que há
limite na tristeza.
Para isso, dois caixões
são necessários, o da tumba e o do cortejo. Fazem-se as ofertas em vasos e se
cantam os lamentos. No enterro, alguns vão se batendo, outros se perdem, uns
choram e soluçam. Faz-se a adivinhação sobre o local exato do enterro, e ali se
deposita o caixão. Por fim, se confecciona a placa familiar da tumba, para o
culto ao ancestral. As oferendas das primaveras e outonos são feitas para
lembrá-los ocasionalmente.
Aos vivos se serve com
amor e respeito. Aos mortos, com dor e luto. Se os vivos cumprem bem seus
deveres, os mortos ficarão satisfeitos. A atenção dos filhos fraternos aos seus
pais é para sempre.