O Julgamento entre duas mães.
(Do Fengshut’ung, século II)
Em Yingchuan dois irmãos moravam na mesma casa e suas esposas estavam esperando filhos. A mais velha perdeu o filho logo ao nascer, mas não deixou ninguém saber do fato. Quando a mais nova deu a luz ao seu filho, a mais velha roubou-o a noite, e assim questionaram sua posse durante três anos. Quando o caso foi levado ao conhecimento de Huang Pa, Primeiro Ministro, ele ordenou que a criança fosse colocada a dez passos de distância das duas mães. A um sinal seu as duas mulheres correram para o menino e pareciam dispostas despedaçá-lo de preferência a abandoná-lo. A criança chorava desesperadamente e a mãe receou feri-Ia, abandonando-a então. A mulher mais velha ficou muito satisfeita ao passo que a mais nova parecia inconsolável. Nesse momento Huang Pa declarou - "A criança é filha da mais jovem". Processou a mais velha e ela foi, de fato declarada culpada.
O Julgamento de uma disputa
(Do Fengshut'ung, século II)
Em Linhuai, um vendedor de sedas levava uma peça desse tecido impermeável para vender na cidade. Quando começou a chover, êle a abriu sobre a cabeça para abrigar-se e em breve outro homem veio proteger-se sob a peça. Ao parar a chuva, ambos começaram a disputar sobre a posse da seda. Hsüeh Hsüan disse: - "Essa peça de seda impermeável vale apenas algumas centenas de moedas. Por que brigar por causa dela ?" Por conseguinte, cortou-a em dois pedaços e deu um deles a cada um dos contendores. Continuou a olhá-los e viu que o verdadeiro dono protestava que tinha sido enganado ao passo que o outro parecia bem satisfeito. Assim soube a quem pertencia mesmo a seda e o outro homem foi declarado culpado e condenado.
A Cinderela chinesa
(Do "Yuyang Tsatsu", século IX)
Ao que se sabe, esta é a mais antiga história da Cinderela escrita no mundo. Cinderela é um dos contos folclóricos mais conhecidos em todos os países e dela têm sido coligidas, estudadas e comparadas pelos entendidos centenas de versões. Contudo, de acordo com o professor R. D. Jameson, autoridade em assuntos do longínquo oriente e que, bondosamente, correspondeu-se comigo sobre o caso: "A história (a versão que aqui vai) é anterior à mais antiga versão ocidental de Des Perriers em seu "Nouvelles Récréations et Iojeux Devis", Lião, 1558, cerca de uns 700 anos." A versão chinesa é tirada de "Yuyang Tsatsu", um livro de mágicas e contos sobrenaturais e de fundo histórico. outrossim, escrito por Tuan Ch'eng-shih que morreu em 863 da era cristã. A história lhe foi contada por uma velha serva da família que provinha de Yungchow (moderna Nanning) em Kwangsei, e que descendia dos povos das cavernas (aborígines) daquele distrito. Tuan era filho de um primeiro ministro e era letrado e em "Yuyang Tsatsu", deu disso vários exemplos: pesquisou certos contos populares indo encontrá-los até nos clássicos budistas, pois no século IX, as histórias sobrenaturais budistas eram bem conhecidas e populares na China. Entretanto esse conto provou ser de tradição oral. Existem versões siamesas bem conhecidas e Nanning fica bem perto da Indochina. Respondendo à minha pergunta sobre se essa versão podia ter vindo da Índia, o professor Jameson disse - "Tanto quanto lhe posso afirmar, e até onde vão meus conhecimentos, a mais velha versão impressa é chinesa. Sabemos muito pouco sobre os processos da imaginação humana e são incontáveis os lugares folclóricos do mapa asiático que ainda não foram completamente explorados para justificar, parece-me, muita especulação." O que nos fere nessa versão chinesa é que ela contém elementos de todas as duas tradições, eslava e alemã, na primeira das quais um animal amigo é o motivo principal e onde, na segunda, a perda do sapatinho num baile é o fato mais importante. A madrasta cruel e as filhas são comuns a ambas. – Lin Yutang.
Certa vez, antes de Ch'in (222-206 a.C.) e Han havia um chefe das cavernas da montanha a quem os nativos chamavam chefe Wu. Ele se casou com duas mulheres uma das quais morreu deixando-lhe uma menina chamada Yeh Hsien. Essa menina era muito inteligente e habilidosa no bordado a ouro e o pai amava-a ternamente, mas, quando êle morreu, viu-se maltratada pela madrasta que seguidamente a forçava a cortar lenha e mandava-a a lugares perigosos para apanhar água em poços profundos.
Um dia, Yeh Hsien pescou um peixe com mais de duas polegadas de comprimento e que tinha as barbatanas vermelhas e os olhos dourados. Trouxe-o para casa e o pôs numa vasilha com água. Cada dia o peixe crescia mais e tanto cresceu que, finalmente, a vasilha não lhe serviu mais e a menina o soltou numa lagoa que havia por trás de sua casa. Yeh Hsien costumava alimentá-lo com as sobras de sua comida. Quando ela chegava à lagoa, o peixe vinha até a superfície e descansava a cabeça na margem, mas se alguém se aproximasse não aparecia.
Esse hábito curioso foi notado pela madrasta que esperou o peixe sem que este lhe aparecesse. Um dia, lançou mão de astúcia e disse à enteada: - "Não está cansada de trabalhar? Quero dar-lhe uma roupa nova." Em seguida fêz Yeh Hsien tirar a roupa que vestia e mandou-a a várias centenas de li para trazer água de um poço. A velha, então, pôs o vestido de Yeh Hsien e estendeu uma faca afiada na manga da blusa; dirigiu-se para a lagoa e chamou o peixe. Quando o peixinho pôs a cabeça fora d’água, ela o matou. Por essa ocasião, o animalzinho já media mais de dez pés de comprimento e, depois de cozido, mostrou ter sabor mil vezes melhor do que qualquer outro. E a madrasta enterrou seus ossos num monturo.
No dia seguinte, Yeh Hsien voltou e ao aproximar-se da lagoa verificou que o peixe desaparecera. Correu para chorar escondida no meio do mato e nisso um homem de cabelo desgrenhado e coberto de andrajos desceu dos céus e a consolou, dizendo: - “Não chore. Sua mãe matou o peixe e enterrou os ossos num monturo. Vá para casa, leve os ossos para seu quarto e os esconda. Tudo o que você quiser peça que lhe será concedido". Yeh Hsien seguiu o conselho e pouco tempo depois tinha uma porção de ouro, de jóias e roupas de tecido tão caro que seriam capazes de deleitar o coração de qualquer donzela.
Na noite de uma festa tradicional chinesa, Yeh Hsien recebeu ordens de ficar em casa para tomar conta do pomar. Quando a jovem solitária viu que a mãe já ia longe, meteu-se num vestido de seda verde e seguiu-a até o local a festa. A irmã, que a reconhecera virou-se para a mãe dizendo: - "Não acha aquela jovem estranhamente parecida com minha irmã mais velha ?" A mãe também teve a impressão de reconhecê-la. Quando Yeh Hsien percebeu que a fitavam, correu, mas com tal pressa que perdeu um dos sapatinhos, o qual foi cair nas mãos dos populares.
Quando a mãe voltou para casa encontrou a filha dormindo com os braços ao redor de uma árvore; assim pôs de lado qualquer pensamento que pudesse ter sido acerca da identidade da jovem ricamente vestida.
Ora, perto das cavernas, havia um reino insular chamado T'o Huan. Por intermédio de forte exército governava duas vezes doze ilhas e suas águas territoriais cobriam vários milhares de li. O povo vendeu, portanto, o sapatinho para o Reino T'o Huan, onde foi ter às mãos do rei. O rei fêz as suas mulheres experimentá-lo, mas o sapatinho era cerca de uma polegada menor dos das que tinham os menores pés. Depois fez com que o experimentassem todas as mulheres do reino sem que nenhuma conseguisse calçá-lo.
O rei, então, suspeitou que o homem que o tinha levado o tivesse obtido por meios mágicos e mandou aprisioná-lo e torturá-lo. Mas o pobre infeliz nada pôde dizer sobre a procedência do sapato. Finalmente, emissários e correios foram enviados pela estrada para irem de casa em casa a fim de prenderem quem quer que tivesse o outro sapatinho. O rei estava muito intrigado.
A casa foi encontrada, bem como Yeh Hsien. Fizeram-na calçar os sapatinhos e eles couberam perfeitamente. Depois ela apareceu com os sapatinhos e o vestido de seda verde tal como uma deusa. Mandaram contar o caso ao rei e o rei levou Yeh Hsien para seu palácio na ilha juntamente com os ossos do peixe.
Assim que Yeh Hsien foi levada, a mãe e a irmã foram mortas a pedradas. Os populares apiedaram-se delas, sepultando-as num buraco e erigindo um túmulo a que deu o nome de "Túmulo das Arrependidas". Passaram a reverenciá-las como espíritos casamenteiros e sempre que alguém pedia-lhes uma graça no sentido de arranjar ou ser feliz em negócios de casamento tinha certeza de que sua prece era atendida.
O rei voltou à sua ilha e fêz de Yeh Hsien sua primeira espôsa. Mas durante o primeiro ano de seu casamento, ele pediu aos ossos do peixe tantos jades e coisas preciosas que eles se recusaram a conceder-lhe mais desejos. Por isso o rei pegou os ossos e enterrou-os bem perto do mar, junto com uma centena de pérolas e uma porção de ouro. Quando seus soldados se rebelaram contra ele, foi ter ao lugar em que enterrara os ossos, mas a maré os levara e nunca mais foram encontrados até hoje. Essa história me foi contada por um velho servo de minha família, Li Shih-yüan. Ele descendia de um povo chamado Yungchow e sabia de muitas historias estranhas do sul.
A Lenda de Ch'ienniang
(Um conto da dinastia Tang)
Ch'ienniang era filha de Chan Yi, um oficial em Hunan. Tinha um primo chamado Wang Chou, rapaz inteligente e bonito. Tinham sido criados juntos desde a mais tenra idade e como seu pai gostasse muito do menino tinha dito que faria de Wang Chou seu genro. Ambos ouviram essa promessa e, como a menina fosse a única filha e estivessem sempre juntos, cada dia mais se afeiçoavam um ao outro. Já agora eram dois jovens e continuavam, entretanto, a se tratar como parentes íntimos. Infelizmente o pai da jovem era o único que nada percebia. Um dia, um jovem oficial veio pedir-lhe a mão da filha e ignorando, ou esquecendo, sua promessa primitiva, ele consentiu fazendo com que Ch'ienniang, desesperada entre o amor e a piedade filial, quase morresse de dor, causando tal desgosto ao rapaz que êle resolveu sair para outras terras de preferência a ficar ali e ver sua amada tornar-se a esposa de um outro. Assim, inventou um pretexto e informou o tio de que precisava ir para a capital. Como o tio não conseguisse persuadi-lo a ficar, deu-lhe dinheiro e presentes e preparou um banquete de despedida para ele. Wang Chou, triste por ter de separar-se da amada, pensou na partida durante toda a festa dizendo a si mesmo que era melhor partir do que viver ali vendo seus, sonhos despedaçados.
Assim Wang Chou saiu num barco da tarde e antes de estar a algumas milhas de distância já a noite caíra. Disse ao barqueiro que amarrasse o barco na praia e descansasse a noite. Não conseguiu dormir e, por volta da meia-noite, ouviu passos ligeiros que se aproximavam. N’alguns minutos o som pareceu bem perto do barco. Ergueu-se e perguntou - "Quem pode ser a esta hora da noite ?" - "Sou eu, Ch'ienniang," foi a resposta. Surpreso e encantado, levou-a para o barco e ali ela lhe contou que esperara ser sua esposa. que o pai não tinha procedido bem para com ele e que ela não suportava a separação. Receava, outrossim, que ele, só e viajando por terras estranhas.. pudesse ser tentado a suicidar-se. Eis porque recaíra na censura da sociedade e na cólera dos pais e viera seguí-lo para onde quer que fosse. Assim ambos ficaram satisfeitos e continuaram a viagem juntos: para Szechuen.
Passaram-se cinco anos de felicidade e ela o presenteou com dois: filhos. Porém não tinham notícias da família e diariamente ela pensava nos pais. Era essa a única coisa que lhes empanava a felicidade.. Ele: não sabia se os pais ainda viviam e quais as condições e, certa noite, começou a contar a Wang Chou como se sentia infeliz e, por ser a filha única, como se considerava culpada de grande impiedade- filial por ter deixado os velhos pais dessa maneira. - "Tem um coração cheio de amor filial e estou de acordo com você," disse-lhe- o marido. "Já se passaram cinco anos; certamente não nos guardam rancor. Voltemos para casa." Ch'ienniang exultou ao ouvir isso e assim fizeram todos os preparativos para voltar para casa com os dois: filhos.
Quando o bote chegou à cidade natal, Wang Chou disse a Ch'ienniang - "Não sei qual o estado de ânimo de seus pais. Será melhor que eu vá para verificar." Seu coração palpitava ao aproximar-se da casa do sogro. Ao vê-lo, Wang OIou ajoelhou-se pedindo perdão; Ao ouvir isso, Chang Yi surpreendeu-se e disse - "De quem esta falando? Ch'ienniang jaz inconsciente em sua cama nesses últimos cinco anos, desde que você nos deixou. Ela jamais abandonou o leito. - "Não estou mentindo," disse Wang Chou. "Ela está passando bem e esperando por mim no barco".
Chan Yi não sabia o que pensar, por isso, mandou duas servas ver Ch'ienniang. Elas a viram sentada, bem vestida e feliz e até disse às servas para que falassem com seus pais o quanto os amava. Amedrontadas, as duas servas correram para casa para dar essas novas e Chang Yi ainda ficou mais intrigado. Nesse ínterim, aquela que estava na cama ouviu as novidades e parece que sua enfermidade desapareceu e os olhos brilharam. Levantou-se da cama e vestiu-se, ajeitando-se diante do espelho. Sorrindo e sem proferir uma palavra, encaminhou-se diretamente para o barco. A que estava no barco, preparava-se para tomar o caminho de casa e assim encontraram-se nas margens do rio. Quando as duas chegaram perto uma da outra seus corpos confundiram-se num só, com roupas em duplicatas, e surgiu a antiga Ch'ienniang tão jovem e encantadora como nunca.
Os pais ficaram satisfeitíssimos, porém pediram aos servos que guardassem segredo e nada dissessem aos vizinhos a respeito do que acontecera, a fim de que não houvesse comentários. Eis porque ninguém, exceto os parentes mais chegados da família Chang, jamais soube desse estranho acontecimento.
Wang Chou e Ch'ienniang viveram como marido e mulher durante mais de quarenta anos antes de morrerem. (Supõe-se que esta história tenha ocorrido em torno de 690 d.C.)
O Homem que vendia fantasmas
(Do "Soushenchi", século IV)
Quando Sung Tingpo, de Nanyang, era ainda rapaz estava passeando certa noite quando encontrou-se com uma fantasma. Perguntou à aparição quem era e ela respondeu que era um fantasma. - "Quem é você ?" perguntou por sua vez o fantasma. Tingpo mentiu e respondeu - "Eu também sou um fantasma." O fantasma então quis saber para onde ele ia e Tingpo informou - "Estou a caminho para a cidade de Wanshih." - "Também vou para lá," afirmou a aparição. Assim puseram-se a caminhar juntos. Após uma milha, se tanto, o fantasma disse que era estupidez estarem andando ambos quando um podia carregar o outro, por turnos. - "ótima idéia," achou Tingpo. O fantasma pôs Tingpo às costas e depois de ter andado uma milha disse - "Você é pesado demais para um fantasma. Tem certeza de que é um fantasma mesmo ?" Tingpo explicou que ainda era um fantasma novo e que, por conseguinte, ainda pesava um pouco. Tingpo, por sua vez, pôs-se a carregar o fantasma, mas êsse era tão leve que tinha a impressão de não estar carregando nada. Assim foram caminhando, revezando-se, até que Tingpo perguntou ao companheiro qual era a coisa que metia mais medo aos fantasmas. - "Os fantasmas têm um medo horrível da saliva humana", afirmou o fantasma. Assim foram andando, andando até que chegaram a um rio. Tingpo deixou que o fantasma fosse adiante e observou que êle não fazia barulho algum ao nadar, mas quando êle entrou n’água, o fantasma ouviu o estalar na água e pediu-lhe uma explicação. Tingpo explicou novamente - "Não se surpreenda, pois ainda sou muito novo e não estou ainda acostumado a atravessar a correnteza." No momento em que se aproximavam da cidade, Tingpo começou a carregar o fantasma nas costas apertando-o fortemente. O fantasma pôs-se a gritar e a chorar lutando para apear-se, porém Tingpo o apertou com mais fôrça ainda. Ao chegar às ruas da cidade, soltou-o e o fantasma se transformou num bode. Tingpo cuspiu no animal a fim de que não pudesse transformar-se outra vez, vendeu-o por mil e quinhentos dinheiros e foi para casa. Eis a razão do ditado de Shih Tsung: "Tingpo vendeu um fantasma por mil e quinhentos dinheiros."
É Maravilhoso ficar bêbado
(Do "Soushenchi", século IV)
Ti Hsi era um nativo de Chungshan e sabia fazer "vinho de mil dias", capaz de manter um homem bêbedo durante mil dias. Havia um homem no mesmo distrito chamado Hsüan Shih que desejou provar o vinho em sua casa. No dia seguinte ele foi ver Ti Hsi e pediu-lhe um gole; este último respondeu - "Meu vinho ainda não está completamente fermentado e não ouso oferecê-lo a você." - "Quero prová-lo assim mesmo", disse Hsüan. Ti Hsi não pôde dizer "não" e deu- lhe um copo. - "é delicioso," observou Hsüan, "quero outro copo." - "Deve ir para casa agora," replicou Ti Hsi. "Volte outro dia. Só esse copo o embebedará por mil dias." Hsüan saiu parecendo um tanto tonto e ao chegar em casa morreu sob a influência do vinho. A família jamais desconfiou de nada: chorou-o e enterrou-o.
Após três anos, Ti Hsi disse consigo mesmo - "Hsüan a esta hora já deve estar acordado. Preciso ir vê-lo." Quando chegou à casa de Hsüan perguntou se este estava. A família surpreendeu-se muito e disse - "Morreu há muito. Até já tiramos o luto." Ti Hsi ficou aflito e disse - "O que! foi efeito do meu maravilhoso vinho, capaz de embebedar um homem por mil dias. Ele deve estar a acordar agora mesmo." Deu, então, ordens para que a família de Hsüan abrisse o sepulcro e o caixão para ver o que tinha acontecido. Ergueu-se uma nuvem de vapores da tumba, nuvem que se elevou até os céus e em seguida procederam a abertura do caixão. Quando a tampa foi retirada, viram o homem "morto" abrir os olhos, bocejar e dizer - "Oh! como é delicioso ficar bêbedo!" Depois perguntou a Ti Hsi - "Que vinho é esse que você faz? Um só copo produziu esse efeito. Acabo de acordar. Que horas são?" As pessoas que estavam perto riram muito à custa dele mas, devido a forte exalação da tumba, cheiro intenso que lhes entrou pelas narinas, todos caíram bêbedos por três meses.
É bom não ter cabeça
(Do "Luyichi", século IX)
No tempo de Han Wuti (140-87 A. C.), Chia Yung de Ts'angwu servia como magistrado em Yüchang. Um dia saiu para dar combate a bandidos. Foi ferido e teve a cabeça decepada. Mesmo assim, o corpo montou a cavalo e voltou ao campo. Os soldados, e o povo que ali estava, ficaram admirados e Yung falou pelo peito - "Fui derrotado pelos bandidos e eles me cortaram a cabeça. Digam-me francamente se é melhor ter cabeça ou ficar sem cabeça ?" Os homens lamentaram-no e disseram - "É melhor ter cabeça." E Yung replicou - "Não penso assim. Andar sem cabeça também é bom."
Como a língua sobreviveu aos dentes
(Liu Hsiang)
Chang Chuang estava doente e Laotse veio visitá-lo. Este disse a Chang Chuang:
-estás muito doente. Não tens nada que dizer ao teu discípulo?
-Ainda que não me pergutasses, eu ia dizer-te – replicou Chang – sabes porque uma pessoa não deve descer do carro quando chega a aldeia?
-Não significa este costume que as pessoas não devem esquecer sua terra de origem?- replicou Laotse.
-Ah, sim... Mas deixe-me perguntar outra coisa; sabes porque uma pessoa deve correr ao passar debaixo de uma arvore alta?
-Não significa que se deve respeitar os mais velhos, disse Laotse.
-Ah, sim...então Chang Chuang escancarou a boca e mostrou sua língua para Laotse, pedindo que ele olhasse bem lá dentro, dizendo: o que você vê agora?
-Sua língua, mestre – disse Laotse.
-Meus dentes estão aí? – disse o velho.
-Não – replicou Laotse.
-E sabes porque? – perguntou Chang Chuang?
-Não durou a língua mais tempo por ser flexível? E não caíram os dentes por serem mais duros? – retorquiu Laotse.
-Ah, sim... disse Chang Chuang – acabas de aprender o Tao. Não tenho mais nada te ensinar.
A Coruja e a Codorna
(Liu Hsiang)
Uma coruja em viagem encontrou com uma codorna, e esta perguntou: “pra onde você vai, coruja”? A coruja lhe respondeu: “vou para oeste, pois as pessoas da aldeia reclamam muito do meu piado”. Disse-lhe então a Codorna: “aceite uma sugestão: mude o seu pio, ou vão te odiar onde você for”.
O cego e o sol
(De Su Tungp’o)
Era uma vez um cego de nascença. Nunca tinha visto o sol e perguntava como ele era para as pessoas. Alguém lhe disse: “é como uma bandeja de latão”, e quando o cego, um dia, deu com uma bandeja pendurada, ouviu o som de metal e guardou-lhe como recordação do sol. Um dia, porém, tocaram sinos de bronze e o cego pensou que era o sol. Até que alguém lhe disse: “a luz do sol, na verdade, é como uma vela”. Um dia, o cego apalpou a vela e pensou que esta era a forma do sol. Assim, um dia encontrou um pedaço de bambu no chão e pensou tratar-se do sol. O Sol é muito diferente do sino ou do bambu, mas o cego não pode ver isso porque nunca viu o sol. O Tao é mais difícil de ver do eu o sol, e por isso os homens são com o cego. Ainda que vocês façam comparações, exemplos e tratados, o Tao será como o sol para o cego, parecido com uma bandeja, com um sino ou um bambu. Sempre imaginaremos uma coisa, esquecendo de outra. Assim, os homens se afastam cada vez mais da verdade, dando lhe aparências através de nomes. Todos estes enganos são tentativas de compreender o Tao.