Da Riqueza e do Comércio
Nada sei com relação aos tempos pré-históricos anteriores a Shennung, mas desde as dinastias Yu e Shia (depois do vigésimo- segundo século a. C.), durante o período debatido pelos documentos históricos, a natureza humana sempre lutou por bons alimentos, roupas, diversões e conforto físico e sempre teve tendência a orgulhar-se da riqueza e da ostentação. Não importa que os filósofos possam ensinar de modo diferente: não é possível mudar as pessoas. Assim, os melhores homens deixam-nas à vontade; a seguir, vêm os que tentam guiá-las; depois, os que moralizam a seu respeito; depois, que procuram adaptar-se a elas; e, por fim, os que entram na mesma porfia. Em suma, Shansi produz madeira, cereais, linho, pêlos de boi e jades. Shantung produz peixe, sal, laca, sedas e instrumentos musicais. Kiangnan (ao sul do Yangtsé) produz cedro, tzu (madeira dura para a fabricação de blocos de impressão), gengibre, canela, minérios de ouro e estanho, cinábrio, chifres de rinoceronte, carapaças de tartaruga, pérolas e couros. Lungmen produz pedra para tabuletas. O norte produz cavalos, bovinos, carneiros, peles e chifres. Cobre e ferro são muitas vezes encontrados por toda parte, nas montanhas, espalhados como peões num tabuleiro de xadrez. É de tudo isso que o povo da China gosta e tais artigos atendem às necessidades de sua existência e das cerimônias para os mortos. Os homens do campo os produzem, os atacadistas os trazem do interior, os artesãos trabalham neles e os mercadores com eles negociam. Tudo isto se verifica sem a intervenção do governo ou dos filósofos. Cada qual faz o melhor que pode e utiliza seu trabalho para obter o que quer. Assim, os preços procuram seu nível, indo as mercadorias baratas para onde são mais caras e dessa forma baixando os preços mais altos. As pessoas seguem suas respectivas profissões e o fazem por sua própria iniciativa. É como o fluir da água, que procura o nível mais baixo dia e noite, sem parar. Todas as coisas são produzidas pelo próprio povo sem que lho peçam e transportadas para onde há precisão delas. Não é verdade que tais operações ocorrem naturalmente, de acordo com seus próprios princípios? O Livro de Chou diz: “Sem os lavradores, não serão produzidos víveres; sem os artesãos, a indústria não se desenvolverá; sem os mercadores, os bens de valor desaparecerão; e, sem os atacadistas, não haverá capitais e os recursos naturais de lagos e montanhas não serão explorados”. Nossos alimentos e nossas vestes vêm dessas quatro classes, e a riqueza e a pobreza variam com o volume dessas fontes. Com isso, em escala maior, beneficia-se um país; em escala menor, enriquece-se uma família. São estas as inevitáveis leis da riqueza e da pobreza. Os argutos têm bastante e poupam, ao passo que os estúpidos nunca têm quanto baste...
Devem, portanto, primeiro estar cheios os celeiros antes que o povo possa falar de cultura. O povo deve ter suficiente alimento e boas roupas antes que possa falar em honra. Os bons costumes e as delicadezas sociais provêm da riqueza e desaparecem quando o país é pobre. Assim como um peixe prospera num lago fundo e os animais gravitam para a selva espessa, assim também a moral da humanidade vem como efeito da riqueza. O rico adquire poder e influência, ao passo que o pobre é infeliz e não tem para onde se voltar. Isto é ainda mais certo com relação aos bárbaros. Eis por que se diz: “O filho do rico não morre na praça do mercado”; e não é este um dito vão.
Também se diz:
O mundo se acotovela
onde há sinais de dinheiro.
Todo o mundo se atropela
onde o lucro é mais ligeiro.
Mesmo reis, e duques, e fidalgos opulentos se inquietam com a pobreza. Por que admirar que o povo comum e os escravos façam o mesmo? .... (Segue-se aqui longa parte sobre condições e produtos econômicos, caráter do povo e meios de vida das diferentes regiões).
Vedes, assim, os letrados eminentes que debatem em cortes e templos a respeito de políticas e falam de honestidade e auto- sacrifício, e os eremitas de montanhas que conquistam grande fama. Aonde vão eles? Procuram a riqueza. Os funcionários honestos adquirem riqueza com o correr do tempo e os mercadores honestos ficam cada vez mais ricos. Pois a riqueza é algo que o homem busca instintivamente, sem que isso lhe seja ensinado. Vedes soldados lançarem-se à vanguarda na batalha e realizar grandes feitos em meio a saraivada de flechas e pedras e contra enormes perigos, em razão de haver grande recompensa. Vedes jovens que furtam, e roubam, e cometem violência; e escavam túmulos à cata de tesouros, arriscando-se mesmo às punições da lei, deixando que os ventos levem todas as considerações quanto à sua própria segurança, - e tudo por causa do dinheiro. As cortesãs de Chao e Cheng ataviam-se, tocam música, usam mangas compridas e pontudos sapatos de dança. Namoram, piscam os olhos, não se importam por ser chamadas a grande distância, nem se preocupam com a idade dos homens: são todas atraídas pelos ricos. E os filhos dos ricos se envolvem em capas e levam espadas, e andam por toda parte com uma frota de carruagens, só para exibir sua opulência. Caçadores e pescadores saem à noite, sob neve e geada, vagueando por vales inundados e povoados de bestas feras, porque querem pegar caça. Outros jogam, realizam brigas de galos, põem cães em competição, com o fito de ganhar. Médicos e mágicos praticam suas artes na expectativa de compensação por seus serviços. Burocratas brincam de esconder com a lei e chegam a cometer fraudes e a falsificar selos, arriscando-se a sentenças penais, porque recebem subornos. E assim todos os lavradores, artesãos, mercadores e criadores de gado tentam alcançar o mesmo alvo. Todos sabem disso e é difícil ouvir falar de alguém que trabalhe e recuse pagamento pelo que fez... Por isso, os pobres trabalham com as mãos, os que têm umas poucas economias experimentam meios e modos de aumentá-las, e os que obtêm sucesso acompanham as tendências da época. Este é um princípio geral. Se alguém tem um meio de vida que não a sujeita a perigos pessoais, todos os homens argutos querem fazer o mesmo. Em conseqüência, os que produzem riqueza vêm no lugar mais alto; vêm a seguir os que com ela negociam e, no posto mais baixo, ficam os que se enriquecem por meios tortuosos. Quem não tem o caráter de um eremita religioso, mas sempre permanece pobre e sem recurso enquanto repisa trivialidades morais, deveria envergonhar-se de si mesmo.
A Vida de Po Yi
Certas pessoas dizem (citando o Livro da História): “o Céu é imparcial. Está com os homens que andam na retidão”. Nós diríamos que Poyi e Shuchi eram homens retos, não é verdade? Eram homens de grande força de caráter e de rígidos princípios; contudo, morreram de fome! Além disso, dos setenta discípulos de Confúcio, o que recebeu dele o mais alto louvor como verdadeiro amante do estudo foi Yen Huei. No entanto, Huei sempre foi pobre, comendo grosseiras refeições sem queixar-se, e morreu jovem! É assim que Deus recompensa os bons? Por outro lado, vemos o famoso bandido Chih, que matava inocentes, comia fígado humano e assolava o país com milhares de sua quadrilha, assassinando e roubando; e morreu de morte natural, em idade avançada! Que fez para merecê-lo? Esses são exemplos do passado, bem conhecidos. Nos dias atuais, vemos pessoas que infringem a lei e cometem atos contrários à justiça ficarem ricas, levando vida confortável, e suas famílias continuam a gozar de fausto e prosperidade. Outros, por outro lado, observam os mais severos princípios, voltam as costas aos atalhos para o êxito, sendo, ainda, cuidadosos com suas palavras e só falando movidos por amor ao bem público, quando há uma grande injustiça. Incontável, todavia, é o número de tais pessoas que sofre desastres pessoais. É este o caminho de Deus, de que o povo fala? Ou será o contrário? Tenho grandes dúvidas a tal respeito.
Confúcio diz: “Os que não acreditam nas mesmas coisas não podem ter trato entre si”; com isto, quer dizer que tudo quanto se pode fazer é apenas seguir as próprias convicções. Eis por que Confúcio disse de si mesmo: “Eu gostaria até de puxar uma carroça se soubesse que, assim fazendo, ficaria rico por meu próprio esforço. Como não posso ter certeza, farei o que gosto de fazer”. E diz mais: “Quando chega o inverno, verifica-se que os pinheiros e os ciprestes suportam melhor o frio”. Quem tem coração puro mantém-se firme num mundo de corrupção geral. Sabe o que mais preza e desdenha o resto.
“Um cavalheiro detesta morrer sem deixar nome para a posteridade” (diz Confúcio). E Chiatse diz: “O cobiçoso morre de juntar dinheiro, o cavaleiro heróico morre pela fama, o homem de êxito morre de lutar pelo poder e a gente comum evita a morte”. “Os que têm a mesma luz atraem-se mutuamente e os animais da mesma espécie um ao outro se buscam”; “As nuvens seguem o dragão e os ventos seguem o tigre”; “Ergue-se o sábio e todas as coisas se tornam claras” (Citação do Livro das Alterações). Poyi e Shuchi tornaram-se imortais graças ao louvor de Confúcio, e Yen Huei ficou conhecido da posteridade por ter seguido o Mestre, embora todos tivessem seus méritos próprios. Há, porém, muitos filósofos que vivem em isolamento e são admiráveis por seu caráter e sua conduta, mas de quem nunca se ouve falar. Não é triste isso? Pessoas comuns que sejam de rigorosa conduta e desejem tornar-se conhecidas dos pósteros não têm outro remédio senão associar-se a letrados de grande reputação.
A geografia dos países estrangeiros da Ásia Central
"Ta-Yuan fica a sudoeste dos hsiung-nu e bem a oeste de Han, a dez mil Li (aprox. 5000km) de distância. Quanto aos costumes, o povo é sedentário e cultiva a terra, produzindo arroz, trigo e vinho de uva. Criam também excelentes cavalos, cujo suor é semelhante a sangue e cujos antepassados são filhos de cavalos celestes. Há casas e cidades fortificadas, cerca de setenta cidades de vários tamanhos. A população é de várias centenas de milhares. As armas são o arco e a lança e os guerreiros costumam atirar montados.
Ta-Yuan é limitado ao norte por K'ang-Chu, a oeste pelo Grande Yueh-Chih, a sudoeste por Ta-Hsia, a nordeste por Wu-Sun14 e a leste por Yu-Mi e Yu-T'ien. A oeste de Yu-T'ien todos os rios correm para oeste, desembocando no Mar Ocidental, mas a leste, os rios correm para leste, desembocando no Charco Salgado. As águas do Charco Salgado correm debaixo da terra e ao sul constituem as fontes do Rio Amarelo. Nessa região há muitas pedras preciosas e os rios correm para a China. Nas regiões de Lou-Lan e Ku-Shih há cidades fortificadas ao longo do Charco Salgado. O Charco Salgado dista cerca de cinco mil Li de Ch'ang-An. O ramo ocidental dos hsiung-nu ocupa a região a leste do Charco Salgado, limitando-se com os bárbaros Ch'iang ao sul do extremo-oeste da Grande Muralha, impedindo assim o caminho de Han para o ocidente.
Os wu-sun vivem a dois mil Li a noroeste de Ta-Yuan. Nômades, migram seguindo seu gado. Seus costumes são idênticos aos dos hsiung-nu e possuem algumas dezenas de milhares de arqueiros que lutam bravamente. Eram a princípio subordinados aos hsiungnu, mas ao se fortalecerem, permaneceram subordinados apenas nominalmente, não mais participando das assembléias anuais.
K'ang-chu fica a uns dois mil Li a noroeste de Ta-Yuan. O povo é nômade e seus costumes são quase iguais aos dos yueh-chih. Possuem oitenta ou noventa mil arqueiros. Limita-se com Ta-Yuan e é um país pequeno, estando subordinado nominalmente aos yueh-chih ao sul e aos hsiung-nu ao norte.
Yen-t'sai fica a uns dois mil Li a noroeste de K'ang-chu. Nômades, seus costumes são quase iguais aos dos k'ang-chu e possuem mais de cem mil arqueiros. Habitam às margens de um grande lago, talvez o Mar do Norte.
O Grande Yueh-Chih fica a dois ou três mil Li a oeste de TaYuan, ao norte do rio Kuei. Limita-se ao sul com Ta-Hsia, a oeste com An-Hsi e ao norte com K'ang-chu. Nômades, deslocam-se seguindo seu gado e têm costumes semelhantes aos dos hsiung-nu. Como contavam com um número de arqueiros entre cem e duzentos mil, confiavam em sua força e desprezavam os hsiung-nu, mas quando surgiu o shan-yu Mo-Tun dos hsiung-nu, este bateu os yueh-chih, cujo rei foi morto no tempo do velho shan-yu, que de seu crânio fez uma taça. A princípio os yueh-chih viviam entre Tun-Huang e os montes Ch'i-lien, mas, derrotados pelos hsiung-nu, fugiram para longe, ultrapassaram Ta-Yuan, atacaram e submeteram Ta-Hsia no Ocidente e estabeleceram a corte real ao norte do rio Kuei. Pequenos grupos que não puderam fugir para longe refugiaram-se entre os bárbaros Ch'iang, das montanhas do Sul. São o Pequeno Yueh-Chih.
An-Hsi fica a alguns milhares de Li a oeste do Grande Yueh-Chih. Quanto aos costumes, o povo é sedentário e cultiva a terra, produzindo arroz, trigo e vinho de uva. As cidades fortificadas parecem-se com as de Ta-Yuan, contando-se às centenas, de vários tamanhos. É um grande país que se estende por mais de dez mil Li. Situa-se às margens do rio Kuei. Parte da população é constituída de comerciantes, que em barcos e carroças se dirigem aos países vizinhos, às vezes vários milhares de Li. Usam moedas de prata, nas quais é gravada a efígie do soberano. Quando o rei morre, a moeda é trocada por outra com a imagem do novo soberano. Escrevem horizontalmente, em couro. A oeste fica Tiao-Chih, ao norte Yen-T'sai e Li-Hsuan.
Tiao-Chih fica a vários milhares de Li a oeste de An-Hsi, às margens do Mar Ocidental. É um país quente e úmido. A população cultiva os campos e produz arroz. Há grandes pássaros que põem ovos tão grandes como vasos. A população é numerosa e em toda a parte se encontram pequenos chefes, vassalos de An-Hsi. O povo é hábil em prestidigitação. Os velhos de An-Hsi contam que em Tiao-Chih há um rio chamado Águas Fracas, onde reside uma feiticeira chamada a Rainha Mãe do Ocidente, mas disseram que nunca a viram.
Ta-Hsia fica a dois mil Li a sudoeste de Ta-Yuan, ao sul do rio Kuei. O povo é sedentário. Há cidades fortificadas e casas. Os costumes são semelhantes aos de Ta-Yuan. Não há grandes chefes, mas apenas pequenos senhores nas cidades fortificadas. São fracos em poder militar e temem a guerra, mas são grandes comerciantes. Quando os yueh-chih migraram para o Ocidente, derrotaram e submeteram todo o Ta-Hsia. A população é numerosa, passando de um milhão. Sua capital é a cidade de Lan-Shih, onde há um mercado no qual várias espécies de produtos são negociados. A sudoeste fica o país de Shen-Tu".
Disse ainda Ch'ien:
"Quando eu estava em Ta-Hsia, vi canudos de bambu de Ch'ung e tecidos de Shu. Quando perguntei onde conseguiram tais produtos, os naturais de Ta-Hsia responderam que eles eram comerciantes e iam até o país de Shen-Tu para comprar esses artigos. O país de Shen-Tu fica a vários milhares de Li a sudeste de Ta-Hsia. O povo é sedentário e seus costumes se assemelham aos de Ta-Hsia. O clima é quente e úmido. Os naturais guerreiam montados em elefantes. O país fica situado junto a um grande rio. Segundo os cálculos que eu fiz, Ta-Hsia dista de Han doze mil Li a sudoeste; já que o país de Shen-Tu fica situado a vários milhares de Li a sudeste e lá são encontrados produtos de Shu, parece que o país de Shen-Tu não fica muito distante de Shu. Se tentarmos enviar emissários a Ta-Hsia seguindo pelo caminho montanhoso no interior do território dos bárbaros Ch'iang, estes os molestarão; se os emissários seguirem mais ao norte, poderão ser aprisionados pelos hsiung-nu; se irem por Shu, o caminho será mais curto e não haverá inimigos que os molestem".
Veja o texto original em http://www.dharmanet.com.br/honganji/viagem.htm