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Daxue, ou A Grande Ciência (por A. Doeblin)

Pequeno Manual de introdução ao Confucionismo, contendo as indicações básicas da doutrina. O texto do Daxue aparece como um capítulo do Liji,mas não se sabe se foi incluído ou extraído de lá.

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1. O que ensina a Grande Ciência é a exemplificar a virtude ilustre, renovar o povo, descansar na suprema excelência.

2. Conhecido o ponto em que se deve descansar, fica determinado o objetivo que se deseja e pode-se conseguir uma tranqüila imperturbabilidade. A essa calma sucederá um repouso tranqüilo. Nesse repouso pode haver prudente deliberação e essa deliberação será sucedida pela obtenção do fim desejado.

3. As coisas têm suas raízes e seus ramos. Os assuntos têm fim e começo. Conhecer o que é primeiro e o que é último, levará ao que é ensinado na Garnde Ciência.

4. Os antigos, que desejavam dar exemplo da virtude ilustre em seu reino, começaram por bem ordenar seus próprios Estados. Desejando ordenar bem seus Estados ordenaram primeiro suas famílias. Desejando ordenar suas famílias, cultivaram antes suas pessoas. Desejando cultivar suas pessoas, primeiro corrigiram seus corações. Desejando corrigir seus corações, primeiro trataram de ser sinceros em seus pensamentos. Desejando ser sinceros em seus pensamentos, primeiro ampliaram ao máximo o seu conhecimento. Essa extensão do conhecimento baseia-se na investigação das coisas.

5. Uma vez investigadas as coisas, seu conhecimento tornou-se completo. Sendo completo seu conhecimento, seus pensamentos foram sinceros. Sinceros que foram seus pensamentos, seus corações corrigiram-se. Corrigidos os corações, suas pessoas foram cultivadas. Cultivadas que foram suas pessoas, ordenaram-se-lhes as famílias. Ordenadas suas famílias, foram justamente ordenados seus Estados. Justamente governados seus Estados, todo o reino viveu tranqüilo e foi feliz.

6. Desde o Filho do Céu até a massa do povo, todos devem considerar o cultivo da pessoa como a raiz de todas as outras coisas.

7. Quando a raiz é descuidada, não pode o que dela nasce ser bem ordenado. Nunca se deu o caso daquilo que tem grande importância ter sido cuidado levianamente, e, ao mesmo tempo, tenha sido objeto de grandes cuidados aquilo que tem pouca importância.

8. Na proclamação a Tang, ficou dito: “Era capaz de tornar ilustre sua virtude”.

No Tai Chia, diz-se: “Contemplou e estudou os decretos ilustres do Céu”.

No Cânon do imperador (Yao), diz-se: “Era capaz de tornar ilustre sua virtude iminente”.

9. Na banheira de Tang estavam gravadas as seguintes palavras: “se um dia puderes renovar-te a ti mesmo, fá-lo todos os dias. Sim, que seja diária a renovação”.

Na Proclamação Tang, diz-se: “Aguilhoar o novo povo”.

No Livro de Poesia ficou dito: “Embora Zhao seja um Estado antigo, era nova a lei que o regia”.

Portanto, o homem superior põe em tudo os seus maiores esforços.



2o capítulo.

1. No Livro de Poesia ficou dito: “No domínio real de mil li é que descansa o povo”.

2. No Livro de Poesia ficou dito: “O gorjeante pássaro amarelo descansa num canto da colina”. Disse o Mestre: “Quando descansa, sabe onde descansar. Será possível que o homem não seja igual a esse pássaro?”.

3. No Livro de Poesia ficou dito: “O rei Wen era profundo. Com que claro e incessante sentimento de reverência contemplava seus lugares de descansos! Como soberano, descansava na benevolência. Como ministro, descansava na reverência. Como filho, descansava na piedade filial. Como pai, descansava na bondade. Em suas relações com os súditos, descansava na boa fé”.

4. No Livro de Poesia ficou dito: “Olhai o curso tortuoso do Qi, com os verdes bambuais luxuriosos. Eis o nosso príncipe elegante e perfeito! Assim como nós cortamos e logo depois limamos, assim como cinzelamos e logo polimos, assim cultivou-se ele a si mesmo. Como é grave, como é digno! Como é majestoso e distinto! Nosso príncipe elegante e perfeito nunca pode ser esquecido! Esta expressão: “Assim como cortamos e logo depois limamos” indica o trabalho do aprendizado. “Assim como cinzelamos e logo polimos” indica o de autodidatismo. “Como é grave, como é digno!” indica o sentimento da prudente reverência. “Como é majestoso e distinto!” indica um porte que inspira respeito. “Nosso príncipe elegante e perfeito nunca pode ser esquecido!”, indica como, quando é completa a virtude e extrema a excelência, o povo não pode esquece-las”.

5. No Livro de Poesia ficou dito: “Ah! Os primeiros reis não são esquecidos”. Os príncipes subseqüentes julgam meritório aquilo que eles julgaram meritório e amam o que eles amaram. Os plebeus se comprazem naquilo que lhes dava prazer e se beneficiam com suas benéficas medidas. Eis por que os reis primitivos mesmo depois de terem abandonado o mundo, não são esquecidos.



3o Capítulo.

1. Disse o Mestre: “Em ouvir litígios, sou como qualquer outro corpo. O necessário é fazer que o povo não tenha litígios”. Assim, os que estão desprovidos de princípios consideram impossível pronunciar seus discursos e um grande temor se apoderará da inteligência dos homens; a isso se chama conhecer a própria causa”.

“A isto se chama conhecer pela raiz”.

A isto se chama perfeição do conhecimento”.



4o Capítulo.

1. O que se quer dizer com “tornar sinceros os pensamentos” é que não se deve permitir o engano de si mesmo, como quando odiamos um mau cheiro e como quando amamos o que é belo. A isto se chama gozo de si mesmo. Por conseguinte, o homem superior deve vigiar-se a si mesmo, quando está sozinho.

Não há maldade em que não incorra um homem vil quando vive isolado, mas ao ver um homem superior trata instantaneamente de disfarçar-se, ocultando sua maldade e mostrando o que nele há de bom. O outro o vê, como se visse seu coração e suas paixões. Para que lhe serve o disfarce? Este é um exemplo do adágio: “O que verdadeiramente existe no intimo, manifestar-se-á exteriormente.” Portanto, o homem superior deve vigiar-se a si mesmo, quando está só.

2. O discípulo Cang disse: “O que vêem dez olhos, o que dez mãos apontam, deve ser contemplado com reverência”.

Os ricos enfeitam uma casa e a virtude enfeita a pessoa. A inteligência desenvolve-se e o corpo descansa. Portanto, o homem superior deve tornar sinceros seus pensamentos.

O Capítulo quinto foi perdido.

6o Capítulo.

1. O que se quer exprimir ao dizer que o “cultivo da pessoa depende da correção do coração pode ser assim exemplificado: Se um homem se acha sob a influência da paixão, será incorreto em sua conduta. Será o mesmo se ele se encontrar sob a influência do terror, ou sob a influência de um olhar carinhoso, ou sob a desgraça e a angústia”.

2. Quando a inteligência não se torna presente, olhamos e não vemos, ouvimos e não escutamos, comemos e não sabemos o gosto do que comemos.

3. Eis o que explica que o cultivo da pessoa depende da correção da inteligência.



7o Capítulo.

1. O que se quer dizer com a “ordem da própria família, depende do cultivo da própria pessoa” é isto: Os homens são parciais quando sentem afeto e amor; parciais quando desprezam e sentem aversão; parciais quando temem e reverenciam; parciais quando sentem pena e compaixão; parciais quando se mostram arrogantes e rudes. Por isso, poucos homens existem no mundo que amem e ao mesmo tempo conheçam as más qualidades do objeto de seu amor, ou que odeiem e não obstante reconheçam as excelências do objeto de seu ódio.

Daí ao dizer-se no ditado popular: “Um homem que não conhece a maldade de seu filho, não conhece a riqueza de sua nova colheita”.

Eis o que significa o dizer que se a pessoa não é cultivada, um homem não pode dar ordem à família.



8o Capítulo.

1. O que se quer dizer com “para governar justamente o Estado é preciso primeiro dar ordem à família” é isto: não é possível a ninguém ensinar os outros se não se pode ensinar primeiro à própria família. Portanto, o governante, sem ir além de sua família, completa as lições para o Estado. Há a piedade filial, de que deve ser provido o soberano. Há a submissão fraterna, com ela devem ser servidos os maiores e os superiores. Há a bondade, com a qual deve ser tratada a multidão.

2. Na proclamação a Tang, diz-se: “Age como se estivesses cuidando de uma criança.” Se (uma mãe) está realmente ansiosa, embora não possa acertar acerca dos desejos de seus filhos não estará longe de agir desse modo. Nunca houve jovem que aprendesse a criar uma criança de modo a que logo pudesse casar-se.

Pelo exemplo amoroso de uma família todo um Estado se torna amorável e por suas cortesias todo o Estado se torna cortês, enquanto pela ambição e perversidade de um homem todo o Estado pede ser levado à desordem rebelde. Tal é a natureza de sua influência. Isso comprova o rifão: “Os negócios podem arrumar por uma única sentença: um reino pode ser assegurado por seu único homem”.

3. Yao e Shun governam o reino com benevolência e o povo seguiu-os. Chieh e Chau governaram o reino com violência, e o povo não seguiu-os. As ordens destes eram contrárias às práticas que amavam e por isso o povo não mais os seguiu. A esse respeito, o governante deve estar impregnado de boas qualidades para que possa exigi-las do povo. Não deve possuir as más qualidades, e assim poderá exigir que não as tenha o povo. Nunca houve homem que sem ter em conta seu caráter e desejos em relação aos demais fosse capaz de instrui-los eficazmente.

4. Assim vemos como o governo do Estado depende da ordem na família.

5. No Livro de Poesia, diz-se: “Esse pessegueiro, tão delicado, tão elegante! Que frondosa ramaria! Esta jovem vai à casa do esposo. Quer ordenar devidamente a sua casa. Que a casa seja devidamente ordenada e o povo do Estado poderá ser ensinado”.

6. No Livro de Poesia, diz-se: “Podem cumprir seus deveres com seus irmãos maiores”. Que o governante cumpra seus deveres com seus irmãos maiores e menores e assim poderá ensinar o povo do Estado.

No Livro de Poesia, diz-se: “Em seu comportamento não há nada mal feito. Corrige todo o povo do Estado”. Sim, quando os governantes, como pai, filho e irmão, são um modelo, o povo os imita.

Eis o que quer dizer “O governo do seu reino depende da ordem que ele dá à família”.



9o Capítulo.

1. O que se quer dizer com “fazer todo o reino pacífico e feliz depende do governo de seu Estado” é isto: quando o soberano procede com seus maiores como estes ancestrais teriam procedido com o povo, torna-se filial: quando o soberano procede bem com seus maiores, trata compassivamente o jovem e o desvalido, o povo faz o mesmo. Assim o governante possui um principio mediante o qual, como um esquadro, pode medir sua conduta.

2. Aquilo que um homem despreza em seus superiores não deve manifestar no trato com seus subordinados. Aquilo que odeia nos que estão antes dele não deve antepor aos que estão depois dele. Aquilo que não quer receber com a direita não deve dar com a esquerda. Aquilo que não quer receber com a esquerda, não deve dar com a direita. Isso é o que se chama “o princípio com o qual, como com um esquadro, pode-se medir a própria conduta”.

3. No Livro de Poesia diz-se: “Quão dignos de regozijo são esses príncipes pais do povo” Quando um príncipe ama aquilo que o povo ama e odeia o que o povo odeia, então é o que se chama “pai do povo”.

No Livro de Poesia diz-se: “Alta é a colina do sul, com suas rochas escarpadas! Grandemente ilustres sois, ó grande mestre Yin, e todos o respeitem”. Os governantes não devem descuidar de ser prudentes. Se se desviam para um baixo egoísmo, serão uma desgraça para o reino.

4. No Livro de Poesia diz-se: “Antes de terem perdido seus corações os soberanos da dinastia de Yin, podiam apresentar-se a Deus. Tomais o exemplo da casa de Yin. O grande decreto não se cumpre facilmente”. Isso mostra como, ganhando o povo, ganha-se o reino, enquanto perdendo o povo perde-se o reino.

5. O governante deve preocupar-se, antes de tudo, com sua própria virtude. A virtude possuída dar-lhe-á o povo. O povo possuído dar-lhe-á o território. O território dar-lhe-á riqueza. A riqueza possuída dar-lhe-á recursos para suas despesas.

6. A virtude é a base. A riqueza, o resultado.

Quando se faz da base o objetivo secundário, e do resultado objetivo primeiro, não faz mais do que disputar com o povo e lhe ensinará a rapina.

Daí que a acumulação da riqueza seja o meio de dispersar o povo e o deixar que a riqueza seja repartida seja o modo de reunir o povo.

7. E daí que se as palavras do governante são contrárias ao que é justo, a ele sucederá o mesmo, e a riqueza adquirida por meios impróprios, por esses mesmos meios desaparecerá.

Na Proclamação a Tang ficou dito: “certamente o mandato não pode descansar sempre em nós”; isto é, a bondade obtém o mandato e a falta de bondade o perde.

No Livro de Chu se disse: “O reino de Chu não considera isso valioso. Em compensação, valoriza seus homens bons”.

8. Fan, o tio do duque Wen, disse: Nossos fugitivos não consideram isso precioso. O que consideram precioso é o afeto devido a seus pais”.

9. Na proclamação do duque de Qin se disse: tenha eu um só ministro, simples e sincero, que não pretenda outras habilidades, mas com clara e elevada inteligência, possuído de generosidade, considere os talentos dos demais como se ele mesmo os possuísse, e quando encontre homens cultos e perspicazes os ame de coração mais do que exprime sua boca e se mostre capaz de apoiá-los e utilizá-los, semelhante ministro será capaz de defender meus filhos e meus netos e as pessoas de cabelos negros, e também se poderá esperar dele que beneficie igualmente o reino. Mas se o seu caráter fosse tal que quando encontra homens hábeis, sente-se despeitado e os odeia e quando encontra homens cultos e perspicazes a eles se opõem e não permite que progridam, mostrando-se realmente incapaz de apoiá-los; semelhante ministro não será capaz de proteger meus filhos nem meus netos nem as pessoas de cabelos negros. E não será também perigoso para o Estado?

10. O homem verdadeiramente virtuoso é o único que pode despedir esse homem e desterrá-lo e arrojando-o entre as tribos bárbaras dos arredores, decidido a não viver mais tempo com ele no reino do Meio. Isso está de acordo com a máxima: “O homem verdadeiramente virtuoso é o único que pode amar e odiar os outros”.

Ver homens dignos e não ser capaz de elevá-los ao ministério. Elevá-los ao ministério, mas não fazê-lo rapidamente, isso é ser desrespeitoso. Ver homens maus e não ser capaz de destituí-los. Destituí-los, mas não imediatamente, isso é debilidade.

11. Amar aquilo que os homens odeiam e odiar aquilo que os homens amam, isso é ultrajar os sentimentos naturais do homem. A quem age desse modo não podem sobreviver senão calamidades.

Vemos, assim, que o soberano tem de realizar uma grande obra. Deve mostrar completa dedicação e sinceridade para alcançá-la e não a alcançará por meio de orgulho ou de luxo desmedido.

12. Também existe um grande sistema para a produção da riqueza. Os produtores devem ser muitos e poucos os consumidores. Deve haver atividade na produção e economia nos gastos. Assim a riqueza será sempre suficiente.

13. O governante virtuoso, por meio de sua riqueza, ainda mais se distingue. O governante vicioso acumula a riqueza à custa de sua vida.

14. Nunca se deu o caso de um soberano amar a benevolência e o povo não amar a retidão. Nunca se deu o caso de o povo amar a retidão sem que os negócios do soberano tenham alcançado êxito. E nunca se deu o caso de a riqueza de semelhante Estado, reunida, em tesourarias e arsenais, não continuar de posse do soberano.

15. O funcionário Mang Xien disse: “Aquele que tem cavalos, e uma carruagem, não dão atenção às galinhas e aos porcos. A família que tem provisões de gelo não cria gado nem ovelhas. Assim a casa que possui uma centena de carroças não terá um ministro que cuide dos impostos que pode obter do povo. Melhor do que ter semelhante ministro seria, para essa casa, ter alguém que lhe roubasse suas rendas”. Isto está de acordo com a máxima: “Num Estado, o lucro pecuniário não deve ser considerado prosperidade, pois que a prosperidade deve ser encontrada na sua retidão”.

16. Quando aquele que dirige um Estado ou uma família faz de suas rendas principal preocupação, deve estar sob a influência de algum homem mesquinho e vil. Pode-se considerar bem esse homem, mas quando semelhante criatura é empregada na administração de um Estado ou de uma família, cairão sobre eles, ao mesmo tempo, as calamidades do Céu e a maldição dos homens e ainda que um homem bom o substitua, não será capaz de remediar o mal que causou. Isto constitui outro exemplo da máxima: “Num Estado, o lucro pecuniário não deve ser considerado prosperidade, pois que a sua prosperidade deve ser encontrada na sua retidão”.