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Wang Chong - Luheng

Durante os Han posteriores sobressaiu a figura do letrado Wang Chong (cerca 27 a 96). Tratava-se de um iconoclasta dotado de um extraordinário espírito de ceticismo cientifico, evidente em sua obra, o Lunheng, ou Julgamento das Discussões. O Lunheng é um trabalho materialista, em que se nega a sobrevivência da alma, que a ação humana pudesse influir no mecanismo da Ordem Universal, e que o destino humano depende de disposições físicas e intelectuais inatas, bem como de circunstâncias várias e de influências astrais que agem no momento do nascimento. 

Fantasmas 
Diz o povo que o fantasma de um morto tem consciência: pode causar dano às pessoas. Pela analogia geral com os animais, um homem morto não se torna fantasma e é incapaz de causar dano aos vivos. O homem é um animal, e um animal é também um animal. Se um animal não se torna fantasma quando morre, como iria tor­nar-se fantasma um homem?... A vida do homem depende de seu espírito e esse espírito se extingue quando ele morre. O espírito do homem (qi, ou energia) vem de seu sangue e quando o sangue do homem, após sua morte, lhe sai do corpo, o espírito, ou energia, se exaure. A seguir, o corpo se decompõe e torna-se pó. A que se apegaria o espírito para tornar-se fantasma? Às vezes, comparamos um cego, ou um surdo, à vegeta­ção comum, que não pode ver nem ouvir. Ora, quando o espírito deixa um homem, isso é algo mais sério do que a mera perda da visão ou da audição... 
 
Desde que teve começo o universo, milhões de pessoas têm morrido, em tempos diferentes. O número dos que hoje vivem é muito menor que o dos que morreram no passado. Se, portanto, os mortos se tornassem fantasmas, deveríamos encontrar um fantasma a cada passo. Se alguém vê fantasmas junto a seu leito de morte, deveria vê-los aos milhões, enchendo todas as ruas, os becos, os vestíbulos e os pátios, e não apenas ver um ou dois fantasmas... É da natureza das coisas que um fogo novo possa ser aceso, mas não há fogo extinto que comece a arder de novo. Novos seres hu­manos nascem, mas é impossível que um homem morto volte a viver. Se fosse possível reanimar um fogo já extinto, então eu estaria inclinado a aceitar a suposição de que os mortos podem voltar a receber contorno e forma. Pela analogia com o fogo extinto, é claro que os mortos não podem viver de novo como fantasmas. O que entendemos por fantasmas é serem eles os espíritos dos mor­tos. Mas, se isto é correto, então, quando alguém vê um fantasma, deveria ver somente o espírito nu, e não vestido de túnica e cinto. Pois a roupa não é feita de espírito; quando enterrada, decompõe-se juntamente com o corpo do morto. É desarrazoado admitir que se conserve para que o fantasma a use. É possível argumentar que o espírito de um homem depende da energia de seu sangue e que essa energia desapareça com a decomposição do corpo mas o espírito lhe sobreviva para tornar-se fantasma. Claro é, porém, que à roupa de um homem, feita de algodão ou seda, não se infunde essa energia do sangue, da maneira por que isso ocorre ao corpo. Como, então, poderá a roupa manter seu contorno e seu formato? Assim, se admitirmos que, quando alguém vê a roupa de um fantasma, isso provém da imaginação, também devemos dizer que, quando alguém vê a forma de um fantasma, isso igualmente provém da imaginação. E, portanto, o que é imaginado não é o espírito de um morto... A forma decorre da associação com o espírito, mas o espírito também se torna consciente por associação com a forma material. Não havendo fogo que arda por si só, como haverá espírito consciente sem corpo? Quando pessoas falam e fazem coisas ao lado de quem dorme, o adormecido não sabe disso. Da mesma forma, quando se fazem coisas boas ou más na presença de um caixão, o defunto não pode ter consciência disso. Se, portanto, quem está simplesmente a dormir, com sua forma corporal intacta, não pode ter consciência do que ocorre, como será isto possível quando a forma corporal já estiver decomposta? Se alguém é atacado e ferido por outra pessoa, faz uma queixa à autoridade e conta o fato aos outros, porque tem consciência. Às vezes, alguém é assassinado e ninguém sabe quem foi o assassino, ou as vezes nem mesmo se sabe do paradeiro da vítima. Se a vítima morta tivesse consciência, por certo ficaria encolerizada com o assas­sino e, consequentemente, seria capaz de queixar-se às autoridades e dar-lhes o nome do criminoso; ou poderia ir à sua casa e dizer à família onde se encontrava seu cadáver. Como o morto não faz tal coisa, podemos concluir que ele não tem consciência... Um homem em boa saúde tem a mente em bom funcionamento, mas, quando cai doente, sua mente se torna confusa, porque seu espírito foi perturbado. A morte é, por assim dizer, o extremo da doença. Se a mente de alguém já está confusa e incoerente quando alguém se acha enfermo, ainda mais o deverá estar quando ele estiver morto. Quando o espírito é perturbado, a mente perde seu poder de reconhecimento; isto deve ser ainda mais certo quando o espírito se dispersa. Um homem morre como um fogo se extingue. Um fogo extinto não produz luz e um homem morto não pode ter consciência. Os dois casos são estritamente comparáveis ... Se um homem não pode tornar-se fantasma, os mortos não podem ca­usar dano a ninguém. Como se prova isso? A força de um vem de sua nutrição e, quando é forte, ele pode cometer violência. Um doente, porém, não pode comer nem beber como de hábito, torna-se gradativamente mais fraco, até morrer. Ora, quando alguém está muito doente, não pode sequer denunciar ou gritar contra um inimigo em seu quarto, ou impedir que um ladrão lhe roube as coisas. Isso, em razão de sua condição de enfraquecimento. A morte é o extremo dessa condição de enfraquecimento. Como poderia, então, um fantasma fazer mal a homens? Alguém pode sonhar que feriu ou matou uma pessoa e, no dia seguinte; desperta e vê seu próprio corpo, e o corpo da pessoa que sonhou ter matado, e não pode encontrar quaisquer ferimentos. Ora, o sonho vem do espírito. Se o espírito, num sonho, não pode causar dano real a ninguém, como poderá fazê-lo o espírito de um morto? 

  Originação 
Os comentadores do I ching dizem que antes da separação dos vapores primordiais, havia uma massa caótica e uniforme; os livros da intelectualidade literária falam de uma mistura selvagem e de um ar ainda não separado. Quando se separou, os elementos puros formaram o céu, e os impuros, a terra. De acordo com os expositores do I ching e os escritos da intelectualidade literária, os corpos do céu e da terra, quando se separaram pela primeira vez, ainda eram pequenos e não estavam muito distantes um do outro. Por que devemos presumir que o céu age espontaneamente? Porque não têm boca nem olhos. A atividade intencional está associada à boca e aos olhos: a boca deseja comer e os olhos ver. Esses desejos manifestados de fora vêm de dentro. Quando a boca e os olhos anseiam por algo considerado vantajoso, é devido a esses desejos. Agora, quando a boca e os olhos não são ativados pelo desejo, não há nada para eles buscarem. Por que deveria haver atividade então? Como sabemos que o céu não possui boca nem olhos? Da Terra. O corpo da Terra é formado por rochas e solo, e rochas e solo não têm boca nem olhos. Os céus e a terra são como marido e mulher. Visto que o corpo da Terra não tem boca nem olhos, sabemos que o céu também não tem boca nem olhos. Supondo que os céus tenham um corpo, então deve ser como o da Terra. Como uma força vital, deveria ser apenas ar, e esse ar seria como nuvens e névoa. Como uma substância turva ou nebulosa pode ter boca ou olho? Alguém pode argumentar que todo movimento se origina da inação. Há movimento que provoca desejo e, assim que há movimento, há ação. As mudanças nos céus são semelhantes às do homem, como poderiam ser espontâneas, sem intenção ou propósito? 

Eu respondo que, quando os céus se movem, eles trazem matéria e energia. A massa do céu se move, matéria e energia surgem e coisas são produzidas. Quando os céus estão mudando, eles não desejam produzir coisas por meio disso; as coisas são produzidas por si mesmas. Isso é espontaneidade. Liberando matéria e energia, os céus não desejam criar coisas, mas as coisas são criadas por si mesmas. Essa é uma ação espontânea sem intenção ou desejo. Pela fusão da matéria e energia dos céus e da terra, todas as coisas do mundo são produzidas espontaneamente - assim como pela mistura de matéria e energia de marido e mulher os filhos nascem espontaneamente. Entre as coisas assim produzidas, criaturas com sangue nas veias são sensíveis à fome e ao frio. Vendo que os cinco grãos podem ser comidos, eles os usam como alimento; e descobrindo que seda e cânhamo podem ser usados, eles os pegam e usam. Algumas pessoas acham que os céus produzem grãos com o propósito de alimentar a humanidade e seda e cânhamo para vesti-los. Isso seria o mesmo que fazer dos céus o fazendeiro do homem ou sua amoreira; não estaria de acordo com a espontaneidade, portanto esta opinião é muito questionável e inaceitável. 

 Raciocinando com base nos princípios taoístas, descobrimos que a natureza imbui todas as coisas de matéria e energia. Entre as muitas coisas deste mundo, os grãos dissipam a fome e a seda e o cânhamo protegem do frio. Por isso o homem come grãos e usa seda e cânhamo. Os céus não produzem grãos, seda e cânhamo propositalmente, a fim de alimentar e vestir a humanidade, assim como por mudanças calamitosas eles não pretendem reprovar o homem. As coisas são produzidas espontaneamente, e o homem as usa e as come; as forças naturais mudam espontaneamente, e o homem tem medo delas. A teoria usual é desanimadora. Onde estaria a espontaneidade, se as mudanças nos céus fossem intencionais, e onde estaria a ação espontânea sem objetivo ou propósito? 

 O rei Hsiang de Ch'in enviou uma espada a Po Ch'i, que então iria cometer suicídio, caindo sobre a espada. "Como ofendi o céu?", Perguntou ele. Depois de um longo tempo, ele respondeu: "Vejo por que devo morrer. Na batalha de Ch'ang-p'ing, o exército de Chao - várias centenas de milhares de homens - se rendeu, mas eu os enganei e fiz com que fossem enterrados vivos. Portanto, eu mereço morrer". Depois ele se matou. Po Ch'i estava bem ciente de seu antigo crime e concordou com a punição resultante dele. Ele sabia como ele mesmo havia falhado, mas não por que os soldados de Chao foram enterrados vivos. Se o céu realmente puniu os culpados, que ofensa contra o céu os soldados de Chao cometeram, aqueles que se renderam? Se, em vez disso, houvesse ferimentos e mortes no campo de batalha pelos golpes aleatórios de armas, muitos dos quatrocentos mil certamente teriam sobrevivido. Por que eles também foram enterrados, apesar de sua bondade e inocência? Esses soldados, sendo incapazes de obter a proteção do céu por meio de sua virtude, por que Po Ch'i sozinho sofreu a punição condigna do céu por seu crime? Vemos por isso que Po Ch'i se enganou no que concluiu. Se os céus tivessem produzido criaturas propositalmente, eles deveriam tê-las ensinado a amar uns aos outros e não a atacar e destruir uns aos outros. Alguém poderia objetar que tal é a natureza dos cinco elementos, que quando os céus criam todas as coisas, eles são imbuídos com a matéria e as energias dos cinco elementos, e que estes lutam juntos e destroem uns aos outros. Mas então os céus deveriam ter enchido as criaturas com a matéria e energia de um único elemento, e ensinado a elas o amor mútuo, não permitindo que as forças dos cinco elementos recorressem à luta e destruição mútua. 

  Destino 
Diz-se que três tipos diferentes de destino podem ser distinguidos: o natural, o adquirido e o adverso. Fala-se de destino natural se a sorte de alguém é a simples consequência de sua organização original. Com sua constituição bem organizada e seus ossos bons, ele não precisa trabalhar para obter a felicidade, pois sua sorte vem por si mesma. Isso é o que significa destino natural. 

O destino adquirido entra em jogo quando um homem se torna feliz apenas por meio de trabalho árduo, mas é perseguido pelo infortúnio assim que cede às suas propensões malignas e dá rédea aos seus desejos. Isso é o que se entende por destino adquirido. 

Quanto ao destino adverso, um homem pode, ao contrário de suas expectativas, colher maus frutos de todas as suas boas ações; ele correrá para o infortúnio e a miséria, que o atingirá de longe. Todo mortal recebe seu próprio destino natural; já no momento de sua concepção, ele obtém um futuro feliz ou azarado. 

A natureza do homem não corresponde ao seu destino: sua disposição pode ser boa, mas seu destino pode ser azarado, ou sua disposição é má e seu destino pode ser feliz. Boas e más ações são o resultado da disposição natural, felicidade e infortúnio, boa e má sorte são o destino... Um favorito do destino, embora não vá bem, não é, necessariamente, privado de felicidade por esse motivo, enquanto um homem malfadado não se livra de seu infortúnio, embora se esforce ao máximo. 

 No destino adquirido, as más ações são seguidas de infortúnio. No entanto, os ladrões Che e Chuang Ch'iao foram flagelos para todo o império. Com alguns milhares de outros bandidos que eles haviam reunido, eles atacaram e roubaram as propriedades das pessoas, e as cortaram em pedaços. Como bandidos, eles eram inigualáveis. Eles deveriam ter caído em desgraça; longe disso, eles terminaram suas vidas como velhos. Diante disso, como sustentar a ideia de um destino adquirido? Homens com um destino adverso se dão bem em seus corações, mas encontram desastres no exterior... Ch'u P'ing e Wu Yuan eram os ministros mais leais de seus soberanos e cumpriam escrupulosamente seus deveres como servos do rei. Apesar disso, o cadáver de Ch'u P'ing foi deixado insepulto em Ch'u e o corpo de Wu Yuan foi cozido. Por suas boas obras, eles deveriam ter obtido a felicidade do destino adquirido, mas caíram com o infortúnio do destino adverso. Como isso é possível? 

 Consequentemente, não há nenhuma garantia de que homens de altos dotes e excelente conduta irão, em qualquer caso, alcançar riqueza e honra, e não devemos imaginar que outros cujo conhecimento é muito limitado, e cuja virtude é pequena, estão, portanto, condenados à pobreza e miséria. Às vezes, homens de grandes talentos e excelente conduta têm um destino ruim, que os incapacita e os mantém para baixo, e pessoas com escasso conhecimento e pouca virtude podem ter um destino tão propício, que eles se elevam e fazem um vôo brilhante. 

  Superstição e Preconceito 
Quando o ministro de Ch'u, Sun Shu Ao era menino, ele viu uma cobra de duas cabeças, que matou e enterrou. Ele então foi para casa e chorou diante de sua mãe. Ela perguntou a ele qual era o problema. Ele respondeu: "Ouvi dizer que quem vê uma cobra de duas cabeças deve morrer. Agora, quando saí, vi uma cobra de duas cabeças. Receio ter de deixá-la e morrer, daí minhas lágrimas. " Quando sua mãe perguntou onde a cobra estava agora, ele respondeu: "Por medo de que outros a vejam mais tarde, eu a matei imediatamente e a enterrei." A mãe disse: "Ouvi dizer que o céu recompensará as virtudes ocultas. Você certamente não vai morrer, pois o céu deve recompensá-lo". E, de fato, Sun Shu Ao não morreu, mas se tornou o primeiro-ministro de Chou. Por enterrar uma cobra, ele recebeu dois favores. Isso deixa claro que o céu recompensa as boas ações? Não, essa conversa fiada. Que aquele que vê uma cobra de duas cabeças deve morrer é uma superstição comum; e que o céu dá felicidade como recompensa pela virtude oculta é um preconceito comum. Sun Shu Ao, convencido da superstição, enterrou a cobra, e sua mãe, viciada no preconceito, confiou firmemente na retaliação celestial. Isso significaria nada mais do que a vida e a morte não dependem do destino, mas da morte de uma cobra. 

  Adivinhação 
O mundo acredita em adivinhação com cascas e ervas daninhas. A primeira classe de adivinhos afirma que questiona o céu; a segunda, a terra - que a erva daninha tem algo espiritual, que as tartarugas são divinas e que os presságios e sinais respondem, quando solicitados. Portanto, as pessoas desconsideram os conselhos de seus amigos e partem para a adivinhação: negligenciam o que é certo e errado e confiam apenas em presságios de sorte e azar. Eles acreditam que o céu e a terra realmente tornam seus desejos conhecidos, e que ervas daninhas e tartarugas realmente possuem poderes espirituais. Na verdade, os adivinhos não se comunicam com o céu e a terra, nem as ervas daninhas ou as tartarugas têm poderes espirituais. Que eles têm, e que o céu e a terra estão sendo interrogados, é uma ideia de escribas comuns. 

Como podemos provar isso? Tse Lu perguntou a Confúcio: "Um ombro de porco e uma perna de ovelha podem servir de presságios, e de trepadeiras, juncos, palhas e lentilhas d'água podemos prever o destino. Que necessidade há então de mil folhas e tartarugas?" "Isso não é correto", disse Confúcio, "pois seus nomes são essenciais. O nome do milefolio significa velho, e o da tartaruga, envelhecido. Para elucidar coisas duvidosas, deve-se perguntar aos velhos e aos ancestrais." De acordo com esta resposta, o milefolio não é espiritual, e a tartaruga não é divina. Do fato de que seus nomes têm importância, não se segue que realmente possuam tais qualidades. Visto que eles não possuem essas qualidades, sabemos que não são dotados de poderes sobrenaturais e, como não os possuem, é claro que o céu e a terra não podem ser solicitados por meio deles... 

 Estamos vivendo entre o Céu e a Terra, como os piolhos fazem no corpo humano. Se aqueles piolhos, desejosos de aprender a opinião humana, estivessem emitindo sons perto de seu ouvido, ele não os ouviria. Porque? Porque há uma diferença tão grande de tamanho, que suas declarações permaneceriam inaudíveis. Agora, vamos supor que um pigmeu como um homem faça perguntas ao Céu e à Terra, que são tão imensos; como eles poderiam entender suas palavras, e como se familiarizar com seus desejos? Quando o rei Wu de Chou destruiu Chou, os intérpretes interpretaram mal os presságios e falaram de uma grande calamidade. T'ai Kung jogou os caules para longe e pisou na tartaruga, dizendo: "Como podem ossos secos e ervas mortas conhecer o destino?" 

  Sonhos 
Quando as pessoas estão doentes, muitas vezes veem seus antepassados falecidos chegando e ficando ao seu lado. Novamente, devemos supor que esses ancestrais falecidos se apresentem com o propósito de pedir comida? Mas o que vemos em nossos sonhos é sempre interpretado como tendo algum outro significado e, de qualquer forma, não é real. Como podemos provar isso? Quando em sonho percebemos um homem vivo, este homem, visto em nosso sonho, não nos encontra no dia seguinte.... O visconde Chien de Chao [516-457 AEC] estava doente e por cinco dias não recebeu ninguém. Quando dois dias e meio se passaram, o visconde Chien tornou-se consciente novamente e disse a seus altos oficiais: "Estive com Deus e fiquei muito feliz. Com os espíritos, vaguei pelo céu e desfrutei da maior bem-aventurança. A música e as danças eram diferentes da música das três dinastias, e o som ia ao coração. Havia um urso pardo se preparando para me agarrar. Deus me ordenou que atirasse nele; eu bati no animal e ele morreu. Então um urso me atacou; eu também bati nele e ele morreu. Deus ficou muito satisfeito e me presenteou com dois caixões com o mesmo conteúdo. Eu então vi um menino ao lado de Deus. Deus confiou a mim um cachorro Ti e disse: " Quando seu filho crescer, dê a ele. ". 

 Como sabemos que Deus, a quem Chien Tse viu, não era um Deus real? Sabemos disso pela interpretação dos sonhos... Quando um oficial sonha com um príncipe, este príncipe não aparece, nem dá presentes ao oficial. Portanto, a interpretação dos sonhos nos ensina que Deus, que deu a Chien Tse dois caixões e um cachorro Ti, não era o Governante Supremo. Visto que não era o governante do céu, o céu sobre o qual Chien Tse vagava com os outros fantasmas, como ele diz, não era o céu.... 

 Shu Sun Mu Tse de Lu sonhou que o céu caiu sobre ele. Se assim fosse, o céu teria caído sobre a terra e, aproximando-se da terra, não teria alcançado Shu Sun Mu Tse devido à resistência oferecida por torres e terraços. Se ele o tivesse alcançado, então as torres e os terraços deveriam ter sido demolidos primeiro. Torres e terraços não foram demolidos, portanto o céu não desceu sobre a terra. Visto que não desceu sobre a terra, não poderia alcançá-lo, e, uma vez que não o alcançou, o que caiu sobre ele não era o céu, mas uma efígie do céu. Assim como o céu que caiu sobre Shu Sun Mu Tse em seu sonho não era o céu real, o céu através do qual Chien Tse estivera vagando não era o céu. 

 Alguém pode objetar que também temos sonhos diretos. Nestes sonhamos com fulano e no dia seguinte o vemos; ou sonhamos com um determinado personagem, e no dia seguinte o vemos. Admito que podemos ter sonhos diretos; mas esses sonhos diretos são semblantes, e apenas esses semblantes são diretos, o que se tornará evidente a partir do seguinte fato. Tendo um sonho direto, sonhamos com alguém, ou com uma determinada personagem, e no dia seguinte vemos o Sr. Alguém, ou a personagem em questão. Isso é direto. Mas, quando questionamos esse alguém ou aquela personagem, eles responderão que não nos apareceram em nossos sonhos. Como eles sabem que não apareceram, as pessoas que vimos em nossos sonhos eram apenas suas imagens. Já que o Sr. Alguém e as ditas personagens eram semelhanças, sabemos que Deus, conforme percebido por Chien Tse, era apenas uma imagem. 

  Em não voar para o céu 
Os livros da intelectualidade literária relatam que o príncipe de Huai-nan, ao estudar o taoísmo, reuniu todos os taoístas do império e humilhou a grandeza de um principado diante desses expositores da tradição taoísta. Consequentemente, os estudiosos taoístas se reuniram em Huai-nan e competiram entre si na exibição de truques estranhos e todos os tipos de magia. Então o príncipe alcançou Tao e subiu ao céu com toda sua família. Seus animais domésticos também se tornaram gênios. Seus cães latiam no céu e os galos cantavam nas nuvens. Isso significa que havia tanta abundância da droga da imortalidade, que até cães e galos podiam comê-la e seguir o príncipe para o céu. Todos os que gostam de taoísmo e querem aprender a arte da imortalidade acreditam nessa história, mas não é verdade. O homem é uma criatura. Embora sua posição possa ser elevada, mesmo principesca ou real, sua natureza não pode ser diferente da de outras criaturas. Não há criatura, mas morre. Como o homem pode se tornar um imortal? Pássaros com penas e plumas podem voar, mas não podem subir ao céu. Como poderia o homem sem penas e plumas ser capaz de voar e subir? Se ele tivesse penas e asas, ele seria apenas igual aos pássaros, mas ele não é; como então ele deve ascender ao céu? Criaturas capazes de voar e se elevar são dotadas de penas e asas, outras são rápidas na corrida, têm cascos e pés fortes. Os corredores velozes não podem voar e os voadores não correm. Seus corpos são organizados de maneira diferente de acordo com a natureza de que são dotados. Ora, o homem é um corredor veloz por natureza, portanto não cria penas nem plumas. Desde o momento em que é adulto até a velhice, ele nunca os obtém por milagre. Se entre os crentes no Taoísmo e os estudantes da arte da imortalidade, alguns se tornassem emplumados e alados, então poderíamos vê-los eventualmente voar e se erguer. 

  Desejo e a longa vida 
Há uma crença de que pela doutrina de Lao Tsu uma pessoa pode transcender para outra existência. Através do quietismo e da ausência de desejo, a pessoa nutre a força vital e acalenta o espírito. A duração da vida é baseada nos espíritos animais. Enquanto eles estão intactos, a vida continua e não há morte. Lao Tsu agiu de acordo com este princípio. Tendo feito isso por mais de cem anos, ele teria passado para outra existência e se tornado um verdadeiro sábio taoísta. Quem pode ser mais quieto e ter menos desejos do que pássaros e animais? Mas pássaros e animais também envelhecem e morrem. No entanto, não falaremos de pássaros e animais, cujas paixões são semelhantes às humanas. Mas quais são as paixões das plantas e dos arbustos, que os fazem morrer no outono depois de nascerem na primavera? Eles são desapaixonados, mas suas vidas não se estendem por mais de um ano. Os homens estão cheios de paixões e desejos, mas podem chegar aos cem anos. Assim, o desapaixonado morre prematuramente e o apaixonado vive muito. Consequentemente, a teoria de Lao Tsu de prolongar a vida e entrar em uma nova existência por meio do quietismo e da ausência de desejos está errada.