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Hanfeizi e os Legistas (02)

Medidas para sapatos 
Certo homem de Cheng ia comprar um novo par de sapatos. Primeiro tomou as medidas dos pés, e deixou-as na cadeira. Quando foi para a rua, esqueceu-se de levá-las, e depois de entrar numa sapataria, disse consigo mesmo: “Oh, esqueci-me de trazer as medidas e tenho de voltar para buscá-las”. Assim fez ele. Mas, ao regressar, a loja já estava fechada e ele deixou de comprar os sapatos. Disse-lhe alguém: - Por que não fizeste provar os sapatos mesmo nos pés? E o homem respondeu: - Eu confiava mais nas medidas que em mim mesmo. 

  O rei Huan perdeu o Chapéu O Rei Huan de Ch’i estava um dia embriagado e perdeu o seu chapéu. Durante três dias recolheu-se envergonhado, sem dar audiência. Kuan Chung disse ao Rei: - Isso é má fortuna para um governante. Por que não reparas o mal com algum ato generoso? Em conseqüência, o Rei abriu o celeiro e distribuiu trigo aos pobres durante três dias. O povo louvou o Rei pela sua generosidade, e disse: - Por que não perde ele o chapéu de novo? 

  Sobre o que falar 
A dificuldade em falar a uma pessoa não está em saber o que dizer, nem no método de argumentação que torne claro o que se pretende. Também não está na dificuldade de ter coragem para expor total e francamente o que se tem no espírito. A dificuldade está em conhecer a mentalidade da pessoa a quem se fala e em adotar o meio mais adequado a atingi-la. Se a pessoa a quem se fala gosta de ter fama de altruísmo e idealismo e lhe falares de proveitos utilitários, considerar-te-á um espírito vulgar e afastar-se-á de ti. Se, por outro lado, a pessoa a quem se fala tem a mente receptiva a lucros comerciais e lhe falares de idealismo, pensará que és um tipo nada prático, com quem não tem coisa alguma a fazer. Se a pessoa a quem se fala gosta de aparecer como homem de princípios, tendo, porém, o coração voltado para os proventos, e se lhe falares de princípios, fingirá estar de acordo contigo, mas não te concederá sua confiança. Se falares à mesma pessoa de grandes lucros, secretamente seguirá teu conselho, mas, exteriormente, cuidará de manter-te à distância. São coisas que é preciso conhecer. 

 Muitas vezes, os negócios (de estado) se realizam em segredo e são postos a perder por notícias que transpiram. Podes não ser a pessoa que as deixou transpirar, mas, se em tua linguagem mostrares que conheces os segredos, estás então em perigo. Se uma alta personalidade tem certas faltas pessoais e és demasiado franco com teus claros conselhos, estás em perigo. Se, antes de teres conquistado a confiança da pessoa a quem se fala, lhe disseres tudo o que pensas e lhe ofereceres todo o teu conselho, e se ela for à frente e seguir teu conselho, ressentir-se-á, caso tudo lhe saia bem, e suspeitará de ti, se falhar; e estás em perigo. Uma alta personalidade gosta de que lhe dêem crédito pelo que faz; se prejudicares esse crédito fazendo com que ele pareça provir de tua opinião, estás em perigo. Se a pessoa já fez alguma coisa que deseja lhe seja creditada e pareceres agir em detrimento dela, estás em perigo. Tenta forçá-la a fazer o que sabes que nunca fará e a deixar de fazer o que sabes que nunca desistirá de fazer, e estás em perigo. Assim, bem se diz que, se lhe falares como a um cavalheiro idealista, pode pensar que estás sendo sarcástico; e se lhe falares como se estivesse interessada em pequenos ganhos ou mesquinhas vantagens, pensará que és um louvaminheiro dissimulado. Se lhe falares do que ama, pode pensar que queres um favor, e se lhe falares do que odeia, pode julgar que a pões à prova ou provocas. Se não falares bastante, achará que nada sabes; se falares demais, cansar-se-á de ti. Se trouxeres um assunto como por acaso, pensar-te-á tímido; se te estenderes em teus grandes planos e idéias, poderá julgar-te bruto e insolente. Estas são as dificuldades de falar a uma pessoa, que é preciso conhecer. 

 Havia na Cidade de Sung um homem rico, a quem caiu a parede da casa, após prolongada chuva. Disse-lhe o filho: “Devemos consertá-la imediatamente, para evitar roubos”. Disse-lhe a mesma coisa o vizinho. Naquela noite, um ladrão, efetivamente, entrou-lhe na casa e furtou muito dinheiro. O rico louvou o filho por sua previdência e suspeitou do vizinho como cúmplice no furto. Em tempos antigos, o Duque Wu, de Cheng, queria invadir o país dos bárbaros Hu e deu sua filha em casamento ao chefe Hu. Perguntou então aos oficiais de seu estado-maior: “Quero iniciar uma guerra de conquista. A quem deverei atacar?” Guanchizi sugeriu que ele atacasse os Hu. O duque mandou matá-lo, dizendo: “O chefe Hu é aparentado comigo por laços de casamento. Falas tolices”. O chefe soube disso, acreditou no duque e relaxou suas defesas, o duque, então, invadiu a terra dos Hu e subjugou-os. Em ambos estes exemplos, o que falou nada disse de errado; contudo, o resultado, em um caso, foi a ruína e, no outro, ficar sob suspeita. O difícil não é saber, mas, sim, saber o que fazer com o que se sabe. Em tempos antigos, Mizi (homem) era favorito do Duque de Wei. Havia uma lei em Wei pela qual quem quer que usasse a carruagem do duque, sem licença, teria os pés amputados. 

Certa vez, Mizi soube que sua mãe estava doente; mas era noite e Mizi tomou a carruagem ducal para ver sua mãe. O duque soube disso e observou: “Que bom filho! Por causa da mãe enferma, arriscou-se a ter os pés cortados!” De outra vez, Mizi passeava com o duque pelo jardim. Mizi provou um pêssego que tirara da árvore e, achando-o muito bom, ofereceu ao duque a metade não comida. “Como ele me ama!”, observou o duque. Mais tarde, quando o rapaz já não era mais tão belo e perdera o favor do duque, este disse: “Foi ele quem fez uso de minha carruagem sem autorização e quem me insultou dando-me a metade de um pêssego que já provara”. O que o duque condenava agora na conduta de Mizi era o mesmo que antes louvara; a mudança estava no próprio amor e ódio do duque. Assim, quando um soberano gosta de alguém, suas palavras lhe parecem sábias e dedica-lhe confiança; quando não gosta de alguém, seus erros de conduta parecem ampliar-se e suas relações se tornam crescentemente tensas. Portanto, quem quer falar a um governante deve antes esperar o tempo necessário e verificar se é estimado ou desapreciado. Um dragão pode ser cavalgado. Mas há um tufo de escamas irritadas sob seu pescoço, de cerca de um pé de comprimento. Quem coçar essas escamas do modo errado será devorado pelo dragão. Os príncipes também têm “escamas irritadas”. Sê cuidadoso e não as coces do modo errado. 

  A regra dos países 

Nenhum país é permanentemente forte. Nenhum país é permanentemente fraco. Se os conformes à lei são fortes, o país é forte; se os conformes à lei são fracos, o país é fraco.

Portanto, no momento, qualquer governante capaz de expulsar a desonestidade privada e defender o direito público encontra o povo seguro e o Estado em ordem; e qualquer governante capaz de eliminar a ação privada e agir de acordo com o direito público considera seu exército forte e seu inimigo fraco. Portanto, descubra os homens que seguem a disciplina das leis e regulamentos e coloque-os acima do corpo de oficiais. Então o soberano não pode ser enganado por ninguém com fraude e falsidade. Descubra homens capazes de pesar diferentes situações e encarregue-os de assuntos distantes. Então o soberano não pode ser enganado por ninguém em questões de política mundial.

Agora, supondo que as promoções fossem feitas por causa de meras reputações, os ministros seriam afastados do soberano e todos os funcionários se associariam para fins de traição. Supondo que oficiais fossem nomeados por causa de seu partidarismo, o povo se esforçaria para cultivar amizades e nunca buscaria emprego de acordo com a lei. Assim, se o governo não tiver homens capazes, o estado ficará confuso. Se as recompensas são concedidas de acordo com a mera reputação e as punições são infligidas de acordo com a mera difamação, então os homens que amam recompensas e odeiam punições irão descartar a lei do público e praticar truques egoístas e se associar para propósitos perversos. Se os ministros esquecem os interesses do soberano, fazem amizade com pessoas de fora e, assim, promovem seus adeptos, então seus inferiores ficarão deprimidos para servir ao soberano. Seus amigos são muitos; seus adeptos, numerosos. Quando eles formam juntas por dentro e por fora, embora tenham grandes falhas, suas formas de disfarce serão inúmeras.

Por essas razões, ministros leais, inocentes como são, estão sempre enfrentando o perigo e a pena de morte, enquanto os ministros iníquos, embora sem mérito, sempre desfrutam de segurança e prosperidade. Se ministros leais enfrentassem o perigo e a morte sem cometer nenhum crime, os bons ministros se retirariam. Caso ministros iníquos desfrutem de segurança e prosperidade sem prestar nenhum serviço meritório, ministros perversos avançariam. Este é o começo da decadência.

    Se fosse esse o caso, todos os funcionários descartariam o legalismo, praticando o favoritismo e desprezando o direito público. Eles frequentariam os portões das residências de homens astutos, mas nunca visitariam a corte do soberano. Por cem vezes eles ponderariam os interesses de famílias privadas, mas nunca eles planejariam o bem-estar do Estado do soberano.

A lei dos primeiros reis dizia: "Todo ministro não deve exercer sua autoridade nem tramar para seu próprio proveito, mas deve seguir as instruções de sua majestade. Ele não fará o mal, mas seguirá o caminho de sua majestade". Assim, na antiguidade, as pessoas de uma época ordeira obedeciam ao direito público, descartando todos os truques egoístas, devotando sua atenção e unindo suas ações para esperar o emprego de seus superiores.

De fato, o senhor dos homens, se ele tem que inspecionar todos os funcionários ele mesmo, não encontra no dia tempo suficiente e sua energia não é grande o suficiente. Além disso, se o superior usa seus olhos, o inferior ornamenta sua aparência; se o superior usa seus ouvidos, os ornamentos inferiores sua voz; e, se o superior usa sua mente, o inferior distorce suas frases. Quanto a essas três faculdades como insuficientes, os primeiros reis deixaram de lado seus próprios talentos e confiaram em leis e números e agiram cuidadosamente sobre os princípios da recompensa e punição.

    Assim, o que os primeiros reis fizeram foi visando a ordem política. Suas leis, embora simplificadas, não foram violadas. Apesar do governo autocrático dentro dos quatro mares, os astutos não podiam aplicar suas invenções; os enganadores não podiam praticar suas plausibilidades; e os ímpios não encontraram meios de recorrer, de modo que, embora tão distantes de Sua Majestade quanto além de mil li, eles não ousassem mudar suas palavras, e embora tão próximos de Sua Majestade quanto os cortesãos, eles não ousassem encobrir o bem e disfarçar o errado. Os funcionários do tribunal, altos e baixos, nunca se intrometeram nem substituíram seus cargos. Consequentemente, a rotina administrativa do soberano não ocupava todo o seu tempo, enquanto cada dia proporcionava lazer suficiente. Isso se deveu à maneira como o governante confiou em sua posição.

Portanto, o soberano inteligente faz a lei selecionar os homens e não faz nenhuma promoção arbitrária. Ele faz a lei medir os méritos e não faz ele próprio nenhum regulamento arbitrário. Em consequência, homens capazes não podem ser obscurecidos, maus personagens não podem ser disfarçados; companheiros falsamente elogiados não podem ser promovidos, pessoas injustamente difamadas não podem ser degradadas. Consequentemente, a distinção entre governante e ministro torna-se clara e a ordem é alcançada. Portanto, basta que o soberano possa examinar as leis.

A lei não bajula os nobres; a corda não cede ao torto. Qualquer que seja a aplicação da lei, o sábio não pode rejeitar nem o bravo pode desafiar. A punição por culpa nunca pula os ministros, a recompensa pelo bem nunca perde os plebeus. Portanto, para corrigir os erros do alto, para repreender os vícios do baixo, para suprimir as desordens, para decidir contra os erros, para subjugar o arrogante, para endireitar o tortuoso e para unificar os costumes populares das massas, nada poderia se igualar a lei. Para advertir os oficiais e intimidar o povo, para repreender a obscenidade e o perigo, e para proibir a falsidade e o engano, nada se compara à penalidade. Se a pena for severa, o nobre não pode discriminar o humilde. Se a lei é definitiva, os superiores são estimados e não violados. Se os superiores não forem violados, o soberano se tornará forte e capaz de manter o curso adequado do governo. Essa foi a razão pela qual os primeiros reis valorizaram o legalismo e o transmitiram à posteridade. Se o senhor dos homens rejeitasse a lei e praticasse o egoísmo, altos e baixos não teriam distinção.

 Consequentemente, governar o estado pela lei é elogiar o certo e culpar o errado.


  A regra dos dois punhos 
Os meios pelos quais uma regra inteligente controla seus ministros são somente os dois punhos. Os dois punhos são a punição e a recompensa. Que significam o castigo e a recompensa? Quando se infligi a morte ou a tortura em cima dos culpados, é chamado castigo; já os incentivos para homens do mérito são chamados de recompensa. Os ministros são receosos do censura e da punição, mas são afeiçoados ao incentivo e a recompensa. Conseqüentemente, se o senhor dos homens usar os punhos do castigo e da recompensa, todos os ministros temerão sua severidade e por seu turno, sua liberdade. (...) Agora, supondo que o senhor dos homens colocasse sua autoridade da punição e do lucro não em suas mãos, mas deixando os ministros administrarem os casos de recompensa e de punição, a seguir todos no país temeriam os ministros, e também a regra, voltando-se para os mesmos e afastando-se da última. Esta é a calamidade da perda da regra dos punhos do castigo e da recompensa.