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Zhanguoce, o Livro dos Estados Combatentes

O Zhanguoce, ou Recordações dos Estados Guerreiros é um texto de estratégia e política escrito no período correlato entre 481 - 221 a.C.. Trata-se de uma coletânea de eventos, acontecimentos, combates e fábulas cujo cunho didático e político estão claramente expostos.


A Arte da Persuasão

A arte de dar conselhos a um rei, especialmente pare dissuadi-lo de certo rumo de conduta, sempre foi das mais delicadas. Falhar importava em imediata expulsão, ou mesmo em morte, se assim o rei estivesse disposto. As vezes tratava-se da tarefa de retirar um exército invasor para salvar o próprio país. Na época dos Reis Guerreiros (quinto a terceiro séculos a.C.) floresceu grande classe de conselheiros profissionais, ou “persuasores” (shuaikei, como eram chamados) e muitas vezes o destino de um país foi mudado pelo talento dos conselheiros. Através dos períodos posteriores, porém, a nobre arte de persuadir um rei a fazer o que não queria fazer foi sempre um trabalho delicado.


Contra os áulicos sistemáticos

O Rei Wei, de Tsi, vivia inteiramente cercado de cortesãos que lhe afagavam a vaidade e seguiam seus caprichos. Certo dia, Tsou Chi disse ao rei:

— Majestade, não sou exatamente de má aparência. (Era homem de “oito pés” de altura). Mas, no norte da cidade, há um Sr. Shu, famoso por seu belo aspecto. Um dia, fiquei em frente ao espelho e perguntei a minha mulher: “Quem achas mais bonito, eu, ou o Sr. Shu?” “Tu, naturalmente”, respondeu minha mulher. Não ousei basear-me em sua palavra e fiz a mesma pergunta à minha concubina. “Como pode o Sr. Shu comparar-se contigo?”, foi sua resposta. Na manhã seguinte, chegou um visitante e, após uns instantes, fiz-lhe a mesma pergunta; ele respondeu: “O Sr. Shu não pode comparar-se contigo”. No dia imediato, o próprio Sr. Shu foi visitar-me. Examinei-o cuidadosamente e achei que ele era muito mais bonito do que eu. Olhei-me bem ao espelho e fiquei inteiramente convencido de que eu não me podia comparar a ele. Assim, deitei-me em minha cama e pensei: minha mulher me louva, porque é parcial em relação a mim; minha concubina me louva, porque tem medo de mim; meu amigo me louva, porque tem algo a pedir-me. Ora, Tsi é um reino de mil li quadrados, com cento e vinte cidades. todas as damas e todos os servidores do palácio são parciais em relação a Vossa Majestade. Todos os cortesãos têm medo de seu poder. E todo o povo tem alguma coisa a pedir-lhe. Assim, parece-me difícil que Vossa Majestade consiga ouvir a verdade.

— Dizes bem — respondeu o rei. Então, baixou um decreto: ‘Todos os ministros, funcionários e pessoas comuns que puderem mostrar meus enganos receberão a mais alta classe de recompensas. Os que escreverem cartas para aconselhar-me receberão a recompensa de segunda classe. E os que puderem criticar-me e a meu governo na praça do mercado, de modo que isso me chegue aos ouvidos, receberão a recompensa de terceira classe”.

Baixado o decreto, viu-se o rei inundado por uma torrente de conselhos e a corte ficou repleta de gente. Isso continuou por vários meses. Um ano depois, não havia erro do governo que não tivesse sido considerado e apontado por alguém. Os países vizinhos, Yen, Chao, Han e Wei, souberam do que o rei fizera e acabaram reconhecendo o Estado de Tsi como seu dirigente. Isso é o que se chama ganhar a guerra sem sair de casa.


Yen Chuo

O Rei Shuan, de Tsi, encontrou Yen Chuo na estrada. Mandou chamar o letrado e este disse: “Venha o rei ter comigo”. Os assistentes do rei ficaram muito ofendidos com sua insolência. “Como podes ser tão rude para com o rei?”, perguntaram os assistentes.

—Não compreendeis — respondeu Yen. — Este é o meu modo de mostrar respeito pelo rei.

—Como?

— Se eu for ter com o rei, poderão pensar que quero pedir algum favor especial. Se o rei vier ter comigo, todos pensarão que nosso rei é um protetor dos letrados.

O rei ficou muito contrariado.

— Dize-me — falou ele a Yen Chuo. — Achas que um letrado é mais importante do que um rei?

— Acho — respondeu Yen.

— Explica-te.

— Posso fazê-lo. Quando Tsin invadiu Tsi, foi baixado um decreto para o exército dizendo que qualquer soldado que ousasse aproximar-se cinqüenta passos do túmulo de Liushia seria sumariamente executado. Ao mesmo tempo, o decreto dizia: “Quem quer que trouxer a cabeça do rei de Tsi será feito alto ministro e receberá mil yi (um yi eqüivale a vinte onças) de ouro”. Assim, a cabeça de um rei vivo vale menos do que o túmulo de um letrado morto.

(O rei ofereceu-lhe um posto, mas Yen Chuo recusou.)


O Tigre e a Raposa

O Rei Hsüan de Ch’u perguntou aos seus ministros:

— Ouvi dizer que o povo do norte teme Chao Hsissü. É verdade isso?

Os ministros não deram resposta, mas Chiang Yi disse ao Rei:

— Era uma vez um tigre que procurava animais para comer e apanhou uma raposa. E a raposa disse: “Como ousas comer-me? O Deus do Céu me fez chefe do reino animal. Se me comeres, estarás pecando contra Deus. Se não crês no que digo, acompanha-me. Marcharei na frente e tu me seguirás”. O tigre foi, pois, com a raposa, e os animais fugiram ao se aproximarem os dois. O tigre não percebeu que os animais não tinham medo da raposa, mas dele. Ora, Vossa Alteza Real tem um território de cinco mil li quadrados e um exército de um milhão de soldados, e deu todo o poder a Chao Hsi Su. Portanto o povo do norte teme o seu poder, mas na realidade o que receia é o exército do Rei, como os animais tinham medo do tigre.


O Grou e a Ostra

Chao ia invadir Yen. Su Tai foi falar ao Rei Huei de Chao em favor de Yen.

— Esta manhã. — disse Su Tai, — quando eu vinha pelo meu caminho, passava pelo Rio Yi. Vi ali uma ostra aquecendo-se ao sol, e um grou aproximou-se para picá-la na carne, e a ostra fechou firmemente a sua concha sobre o bico do grou. Disse o grou: “Se não chover hoje e se não chover amanhã, haverá uma ostra morta”. E disse também a ostra: “Se não puderes soltar-te hoje e se não puderes amanhã, haverá um grou morto”. Nenhum dos dois queria largar, quando um pescador se aproximou e apanhou a ambos. Ora, se fores atacar Yen, os dois países ficarão presos na luta por muito tempo até que o povo de ambos esteja esgotado. Temo que o forte Ch’in venha a ser o pescador. Pensa nisso cuidadosamente.

— Bem. — disse o Rei, e abandonou a idéia.