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Mozi

Mozi foi um dos grandes críticos do Confucionismo, tendo vivido, provavelmente, em torno do século V - IV a.C. Uma série de indicações nos permite supor que Mozi deve ter estudado os mesmo clássicos que Confúcio, chegando a conclusões diametralmente opostas, porém, daquelas apresentadas pela Escola dos Letrados. Acredita-se que essa diferença de interpretação tenha vindo da condição social de Mozi, muito mais próxima da plebe do que da fidalguia Zhou. Mozi era antes de tudo um defensor das causas populares, e a única inspiração correta, para ele, provinha do Céu, que tratava todos como iguais e não via distinção na atribuição de benesses. Sua proposta baseava-se num amor universal que tornava literalmente iguais todas as pessoas, sem diferenças de classe, cor, sexo, raça, etc.. Igualmente importante seria a necessidade do povo em se unir para poder administrar, de forma independente, sua própria vida, quebrando o monopólio político das elites. 
 
Extratos 
 Capítulo IV 
 1. Mozi disse: "Para fazer o que quer que seja, cumpre ter padrões. Ninguém realizou coisa alguma sem eles. Os fidalgos, no exercício de suas funções de generais e conselheiros, não os dispensam. Os próprios artesãos regem-se por padrões. Assim, constroem objetos quadrados, de acordo como o quadrado; e recorrem ao compasso, para as figuras circulares; desenham linhas retas com a régua de carpinteiro; e o prumo lhes vale para as perpendiculares. Todos os artífices, capazes ou não, empregam esses cinco padrões. Apenas os mais hábeis são perfeitos. E os menos hábeis, os que não alcançaram a perfeição, andarão melhor, se fizerem uso dessas regras. Eis porque todo artesão se norteia por moldes certos". 
 2. "Ora, o governo do império e o dos grandes países não se atém a padrões; isto demonstra que os governantes são menos inteligentes que os artífices". 
 3. "Que devemos tomar como exemplo de bom modelo de governo? Deve cada um imitar os pais? Há muitos pais no mundo; poucos são magnânimos. Se todos seguirem o exemplo dos pais, raras vezes procederão nobremente. E imitar um procedimento indigno não será ater-se ao padrão adequado". 
 4. "Poderia cada um nortear-se pelo exemplo de seu mestre? Muitos são os mestres; mas poucos os mestres dotados de uma alma grande. Logo, se todos imitarem o seu mestre, nem sempre imitarão um bom exemplo. Nortear-se pelos maus exemplos não é adotar o padrão apropriado. Convém que cada um imite o seu soberano? Há muitos soberanos; raros, porém, são exemplares. Imitando-os, nem sempre andaremos bem. Não é boa norma copiar um mau proceder. Logo, nem os pais nem o mestre ou o soberano podem ser aceitos como padrões de governo". 
 5. "Que devemos então escolher como padrão de governo? Nada melhor do que orientarmo-nos pelo Céu. O Céu abrange tudo; é imparcial nas suas atividades, generoso e incessante nas suas bênçãos, guia infatigável e constante. Assim, quando os reis sábios tomaram o Céu por modelo, moldaram por ele as suas ações e empresas. Faziam o que o Céu desejava e evitavam o que o Céu pudesse condenar". 
6. "Ora, que é que o Céu preza e que é que o Céu abomina? Indubitavelmente, o Céu deseja que os homens se amem e auxiliem mutuamente, e reprova que se odeiem e hostilizem. Como chegamos a esta conclusão? Simplesmente porque o Céu ama e favorece toda a humanidade. E como sabemos que o Céu ama e favorece a humanidade inteira? Porque o céu protege a todos, e de todos aceita oferendas. Todos os países do mundo, grandes ou pequenos, são cidades do Céu; todos os homens, velhos ou moços, fidalgos ou humildes, são súditos celestes; em verdade, todos eles apascentam bois e ovelhas, alimentam cães e porcos e preparam vinho e bolos para sacrificá-los ao Céu. Acaso não significa isto que o Céu protege a todos e de todos aceita oferendas? Desde que é assim, como não deveríamos pensar que o Céu deseja que os homens se amem e auxiliem mutuamente? Logo, o Céu abençoará os que procederem de acordo com esse preceito, e amaldiçoará os que odeiam e prejudicam o próximo, pois foi dito que "a adversidade há de ferir o assassino do inocente". Como explicaríamos de outro modo o fato de recair sobre os criminosos a maldição celeste? Logo, o Céu deseja o amor do próximo e detesta o ódio ao próximo. 
 7. "Os antigos reis sábios Yü, T'ang, e Wu tinham amor à humanidade, e ensinaram o povo a venerar o Céu, como a adorar as almas. Muitos são os benefícios que outorgaram aos seus súditos. O Céu abençoou-os, tornando-os imperadores e objeto da consideração dos senhores feudais do império. Por outro lado os perversos monarcas Chieh, Chow, Yu e Li odiavam a humanidade e induziam-na a amaldiçoar o céu, a ridicularizar os mortos. Graves injúrias causaram ao povo. O Céu puniu-os com a desgraça, privando-os do império e da vida; e a posteridade condenou-os eternamente. Chieh, Chow, Yu e Li praticaram o mal e foram visitados pelas calamidades. Yü, T'ang, Wen e Wu amaram e protegeram a humanidade, fazendo jus a bençãos. Aí temos, pois, os que praticaram o mal foram punidos". 

 Capítulo XII. 
 1. Mozi disse: "A vantagem dum governo está em manter a ordem entre o povo e evitar o que possa acarretar confusão." Mas como se mantém a ordem entre os homens? "Quando a administração do soberano corresponder aos desejos do povo reinará ordem; no caso contrário, haverá desordem." 
 2. Como chegamos a essa conclusão? "Quando o governo dum soberano satisfaz as aspirações dos seus súditos, mostra conhecer os gostos e as antipatias do povo. Havendo esse entendimento a boa vontade será descoberta e premiada, como se descobrirá e punirá a má vontade; em conseqüência, haverá ordem no país. Se a administração do governante não corresponder às aspirações populares, aparecerá a absoluta incompreensão dos sentimentos do povo. Nestas condições, não haverá ordem no país. Se a administração do governante não corresponder às aspirações populares, revela a absoluta incompreensão dos sentimentos do povo. Nessas condições, não haverá justiça para a boa vontade nem castigo para a má vontade. Deixando os bons sem recompensa e os maus impunes, fatalmente o governo levará o país à desordem. Todavia, quando prêmios e punições não correspondem às aspirações do povo, o assunto deverá ser cuidadosamente examinado." 
 3. Mas, como se podem satisfazer os desejos do povo, se são tantos e tão variados? Por isto, Mozi diz: "Só é possível, adotando no governo o princípio da identificação com o superior." (2) Como sabemos que o princípio de identificação com o superior pode governar o império? Por que não examinamos a administração e a teoria dos governos dos tempos antigos? A princípio, não havia governantes e todos gozavam de independência. Desde que cada um era independente, forçosamente devia haver uma opinião para cada homem. Dez para cada dez homens, cem para cada centena de homens, mil para todo milhar de homens; e assim por diante até que todos os homens se tornassem incontáveis, do mesmo modo que as opiniões. Todos eles aprovavam as próprias idéias e discordavam das alheias. Havia, pois, contendas entre os fortes e lutas entre os fracos. Em conseqüência, o Céu desejou unificar os padrões no mundo. Os virtuosos foram selecionados e feitos imperadores. Cônscio da impossibilidade de governar sozinho o império, o soberano escolhia os melhores em virtude e sabedoria, elegendo assim os seus três ministros. Cientes de que não lhes seria possível assistir sozinhos o imperador, os três ministros dividiam o império em estados feudais, entregando-os aos respectivos suseranos. Convictos de que não se desempenhariam sozinhos dessa tarefa, os senhores feudais escolhiam dentre os seus melhores amigos, ministros e secretários. Estes, por sua vez, repartiam a sua missão com os chefes dos distritos e os patriarcas; o imperador não os escolhera para honras e riquezas, para lazeres e comodidades, e sim para que auxiliassem a administração e a jurisdição. Por isso, quando o Céu estabeleceu o império, situando a capital, quando indicou os soberanos, os reis, os senhores e os duques e nomeou secretários, sábios, professor, decanos, não foi com o intuito de lhes assegurar comodidades, mas para dividir entre eles a tarefa e fazer com que auxiliassem a difundir a luz celeste. 
 4. Por que então os superiores se tornaram hoje incapazes de governar os seus súditos e estes, ineptos para servirem os governantes? Unicamente pelo mútuo desrespeito. Qual o motivo disto? A diferença entre os padrões. Onde estes divergirem haverá oposição. Um governante pode ter um indivíduo em bom conceito e julgá-lo digno de prêmio. O premiado, porém, não obstante o prêmio, provoca pelo mesmo ato a reprovação popular. Logo, mesmo os que praticam o bem, não são necessariamente estimulados pela recompensa. Pode o governante julgar um homem digno de castigo. Esse homem, embora punido, pode receber a aprovação do povo. Logo, os que procedem mal, não são necessariamente tolhidos pela punição. Em conseqüência, o prêmio e as honras do soberano nem sempre estimulam o bem, como a denúncia e o castigo não bastam para prevenir o mal. Qual é a razão disso? A diferença de padrões. 
 5. Mas como poderemos unificar os padrões do mundo? Mozi disse: "Por que não deixamos cada membro do clã organizar os seus projetos e identificá-los com os do patriarca? E deixemos o patriarca ditar leis e proclamar ao clã: ' Quem reconhecer um benfeitor do clã revele-os; quem descobrir um malfeitor, denuncie-o. Quem revelar um benfeitor do clã será por sua vez igual a ele; faz jus à recompensa do superior e aos louvores da comunidade. Quem não denunciar o malfeitor estará por sua vez prejudicando o clã; o superior não hesitará em puni-lo e a comunidade o condenará". Logo, todos os membros do clã desejarão obter, do superior, prêmio e honras e evitar o castigo. Revelarão o benfeitor e denunciarão o malvado. E o patriarca poderá premiar o bem e punir o mal. Nessas condições reinará ordem no clã. E por que? Unicamente porque a administração se baseará no princípio de identificação com o superior. 
 6. Agora que o "clã" está em ordem, resolveu-se acaso o problema do governo do estado feudal? De modo nenhum. O Estado compõem-se de vários clãs. Todos eles prezam o seu clã e desprezam os outros. Há, portanto, contendas entre os fortes e luta entre os fracos. Todavia, os patriarcas podem organizar os estatutos do clã e identificá-los com os do senhor feudal. Este pode ditar leis e proclamar ao estado: "Quem reconhecer um benfeitor do estado revele-o; quem descobrir um malfeitor, denuncie-o. Quem revelar um benfeitor do estado iguala-se a ele; faz jus à recompensa do superior e aos louvores do povo. Quem não denunciar um malfeitor prejudicará o próprio estado; o superior deve puni-lo e a comunidade o condenará". Em conseqüência, os súditos procurarão alcançar prêmio e honras e evitar a punição. Revelarão o benfeitor e denunciarão o malvado. E o senhor feudal recompensará o bem e punirá o mal. Por que, pois, reinará ordem no estado? Apenas porque a administração se baseia no princípio de identificação com o superior. 
 7. Agora que o estado feudal está em ordem, resolveu-se o problema de governar o império? De modo nenhum. O Império compõem-se de vários estados. Todos eles apreciam o próprio estado e desprezam os outros. E há contendas entre os fortes e lutas entre os fracos. O suserano pode, porém, organizar a constituição do estado e identificá-la com a do imperador. O imperador também ditará leis e proclamará: "Quem reconhecer um benfeitor do império, revele-o; quem descobrir um malfeitor do império, denuncie-o. Quem revelar um benfeitor será considerado por sua vez um benfeitor do império; fará jus ao prêmio do superior e ao apreço do povo. Quem ocultar um malfeitor, estará prejudicando o próprio império. O superior o punirá e a comunidade há de condená-lo. Os súditos do império procurarão, pois, obter prêmio e honra e esquivar-se-ão ao castigo imperial. Revelarão o benfeitor e denunciarão o malvado. E o imperador poderá premiar o bem e punir o mal. Nessas condições, reinará ordem no império. E por que? Porque a administração baseia-se no princípio de identificação com o superior(3). Ora, estando o império em ordem, pode o imperador organizar a constituição do império e identificá-la com o poder do Céu (4). 

 Capítulo XV. 
 1. Mozi disse: "O propósito do magnânimo (5) consiste em outorgar benefícios ao mundo e libertá-lo das calamidades". 
 2. Mas quais são os benefícios e calamidades do mundo? Mozi disse: "Os ataques recíprocos entre os estados, a mútua usurpação entre as dinastias, as injúrias recíprocas entre os homens, a intolerância e a deslealdade entre governo e governados, o desamor e a ausência de piedade filial entre pai e filho, a desarmonia entre o irmão mais velho e o mais novo! Eis as maiores calamidades do mundo." 
 3. E donde derivam essas desgraças? Diz Mozi: "Elas nascem da falta de amor ao próximo. Hoje, os senhores feudais aprenderam tão somente a apreciar os seus estados e não os dos outros. Não tem o menor escrúpulo em atacar os estados limítrofes. Os chefes de família habituaram-se a gostar apenas de sua casa e não da casa alheia; nem se envergonham de usurpar o lar do vizinho. Quanto aos indivíduos, a norma é estimarem-se a si mesmos e não aos outros. E não têm escrúpulos em se injuriarem mutuamente. Sempre que os senhores feudais não se estimem reciprocamente, haverá guerra. Quando os chefes de família não se apreciarem uns aos outros, acabarão usurpando a autoridade alheia. Se os homens não se estimarem, fatalmente hão de se injuriar uns aos outros. Entre governo e súditos que não se apreciem reciprocamente, não pode haver indulgência nem lealdade. Se pai e filho não se quiserem um ao outro, não haverá amor paterno nem sentimento filial. Faltando afeto entre irmãos, surgirá a desarmonia. Se ninguém no mundo quiser amar ao próximo, é claro que o forte sobrepujará o fraco, a maioria oprimirá a minoria, os ricos zombarão dos pobres, os poderosos desdenharão os humildes, os espertos enganarão os ingênuos. Todas as calamidades, as lutas, as queixas, o ódio, que infestam o mundo, nasceram da falta de amor ao próximo. Por isto, os bons reprovam esse desamor." 
 4. Desde que é assim, como se poderiam alterar as condições? Diz Mozi: "Só as modificaremos por meio do amor ao próximo e do auxílio mútuo." 
 5. Que se entende por amor ao próximo e auxílio mútuo? Diz Mozi: "Significa respeitar o estado alheio como o próprio, a casa alheia como a nossa, o próximo como a nós mesmos. Quando os senhores feudais se respeitarem mutuamente, cessarão as guerras; quando os chefes de família se apreciarem uns aos outros, acabarão as usurpações mútuas; se os homens se estimarem entre si, desaparecerão as injúrias recíprocas. Se o governo e os súditos se considerarem, haverá indulgência e lealdade; se pais e filhos se amarem mutuamente, serão uns e outros afetuosos e filiais; se os irmãos mais velhos e mais novos souberem apreciar-se uns aos outros, reinará harmonia. Se todos quiserem ao seu próximo, o forte não sobrepujará o fraco, os muitos não oprimirão os poucos, os ricos não zombarão dos pobres, os poderosos não desdenharão os humildes e os espertos não lograrão os simples. Graças ao amor do próximo, as lutas, as calamidades, as queixas e o ódio não conseguirão lavrar entre os homens. Por isto, o exaltam os bons." Mas os fidalgos do mundo dirão: 
 6. "Muito bem! Será maravilhoso, quando o amor do próximo se tornar universal. Mas tudo isso não passa dum ideal distante e difícil." Mozi diz: "Isto simplesmente, porque os gentis-homens não distinguem os benefícios das calamidades do mundo. Ora, sitiar uma cidade, lutar nos campos, granjear nome, sacrificando a vida: eis o que se afigura difícil aos homens. Entretanto, quando o superior a anima, a multidão é capaz de levar a termo esses empreendimentos. O amor do próximo e o auxílio mútuo são coisas bem diversas. Quem estimar o próximo, será por ele estimado; quem auxiliar os outros, será ajudado por eles, quem odiar o próximo, faz jus ao ódio alheio; quem injuriar os seus semelhantes será por eles injuriado. Então, que há de difícil no amor ao próximo? Apenas isto: o governante esquece-se dele em seu governo e o homem, em seu procedimento"(6). 

 Capítulo XVI. 
 1. As objeções não foram ainda exauridas. Pergunta-se: "É boa idéia; mas de que serve?" Mozi responde: "Se não fosse útil, eu o reprovaria. Como pode acontecer que uma coisa boa não seja útil? Consideremos o assunto por dois prismas. Suponhamos que haja dois homens. Um deles é adepto da parcialidade, o outro da universalidade. O primeiro dirá consigo: "Como poderei cuidar de meu amigo como de mim mesmo? Como tratarei de seus pais como se fossem os meus?" Portanto, se ele encontrar o amigo faminto, não o alimentará; nem o vestirá, se o vir com frio. Achando-o enfermo, não o curará, nem o sepultará, se ele morrer. Assim fala e age o adepto da parcialidade. O adepto da universalidade porta-se de modo bem diverso. Dirá consigo: "Ensinaram-me que um ser deveras superior cuida de seu amigo como de si mesmo, e trata os pais do amigo como os seus. Quando esse homem encontrar o amigo faminto, dar-lhe-á de comer; e, se o vir com frio, correrá a vesti-lo. Não se eximirá de assisti-lo na doença nem de sepultá-lo, quando aquele morrer. Assim fala e age o praticante da universalidade." 
 2. Esses dois indivíduos são, pois, um o oposto do outro, no modo de pensar e de agir. Suponhamos que ambos sejam sinceros nas palavras e resolutos nas ações, tanto que as suas palavras e ações se ajustem perfeitamente, como as duas partes de um entalhe. Continuaremos as nossas conjeturas. Suponhamos que o país esteja em guerra. Um homem de armadura e capacete vai reunir-se ao exército, arriscando a própria vida. Outro é nomeado deputado pelo governo em regiões remotas como Pa, Yüeh, Qi e Ching, expondo-se a uma viagem perigosa, de êxito incerto. Ora, em tais circunstâncias nos é lícito perguntar: a quem confiarão eles o encargo de cuidar da família e dos pais? Ao amigo universal ou ao parcial? Parece-me que, em tais ocasiões, ninguém é tolo. Mesmo quem faça objeções ao amor do próximo escolherá o amigo universal. Logo, a oposição ao princípio é apenas verbal; a escolha real é a contradição entre a palavra e a ação. Não se compreende, pois, que haja quem faça objeção ao amor do próximo, quando ouve falar dele. 
 3. Ainda não cessarão as discussões. Surge agora a questão: não cuidar das vantagens e danos aos nossos pais seria piedade filial? Mozi responde: "Deixai-nos conjurar sobre os planos dos filhos dedicados a respeito dos pais. Posso perguntar se, quando fazem esses planos, desejam que seus pais sejam objeto do amor ou do ódio alheio? Segundo a doutrina da piedade filial, é claro que desejam ver os pais estimados por todos. Ora, que há-de fazer para o conseguir? Cumpre em primeiro lugar, ter estima aos pais dos outros, para que estes estimem os nossos. Logo, todos os que almejam serem afeiçoados aos pais, tendo a escolher se devem prezar ou odiar os pais dos outros, andarão melhor estimando-os e beneficiando-os. Poderia alguém julgar os filhos carinhosos idiotas e incorrigíveis, por terem amor aos pais? Insistamos no assunto. Está escrito no "Ta Ya", entre os livros dos antigos reis: "Não há idéia a que não se dê o devido valor; não há virtude sem recompensa. Se nos atirarem um pêssego, devemos retribuí-lo com uma ameixa". Isso significa: quem amar o próximo, será amado; quem o odiar, será retribuído com ódio. Não se compreende, pois, que os homens façam objeção ao amor do próximo, quando ouvem falar nele. 

 Capítulo XVII. 
 1. Suponhamos que um homem entre num pomar d'outro indivíduo e lhe roube os pêssegos e as ameixas. Sabendo disto, o público há de condená-lo e às autoridades caberá puni-lo. Por que? Porque ele ofende a outro indivíduo em proveito próprio. O fato dum roubar ao outro cães, porcos, frangos e leitões é ainda mais condenável do que roubar ameixas e pêssegos. Por que? Porque faz que os outros sofram mais, sendo, portanto, mais desumano e criminoso (7). E, por último, assassinar o inocente, despi-lo das suas roupas, privá-lo da lança e da espada é mais ilícito do que entrar no estábulo de outrem e roubar-lhe os bois e os cavalos. Por que? Porque isso faz com que outros sofram mais; causando maiores sofrimentos, o ato é tanto mais desumano e censurável. 
 2. Todos os nobres sabem que devem condenar essas coisas e considerá-las ilícitas. Mas, quando se trata duma guerra entre grandes estados, esquecem-se disso; aplaudem, pelo contrário, o fato e consideram-no lícito. Pode-se chamar a isto discernimento do que é justo e injusto? O assassínio duma pessoa é tido como um ato perverso e punido com a pena de morte. De acordo com tal argumento, a matança de dez pessoas deveria merecer a mesma reprovação e dez penas de morte; o morticínio de cem pessoas seria cem vezes tão iníquo, e merecedor de cem penas de morte. Todos os fidalgos não ignoram que tais atos são condenáveis e ilícitos. Tratando-se, porém, da grande iniqüidade de agredir estados, não julgam dever condená-los. Aplaudem-nos até; consideram-nos lícitos. E na verdade, ignoram que são injustos. Em conseqüência, já registraram sua opinião, com o intuito de a legar à posteridade. Se soubessem que apóiam uma causa injusta, por que legariam aos póstumos esse juízo falso? 
 3. Se um homem, ao ver um ponto preto, disser que ele é preto mas, depois de o olhar muito, afirmar que o ponto é branco, devemos pensar que ele não distingue o preto do branco. Se ao provar um gosto levemente amargo, alguém o taxa de amargo, mas provando-o muitas vezes o achar doce, diremos que essa pessoa não diferencia o doce do amargo. Assim, quando se comete um pequeno erro, o povo acha que o deve condenar; quando o erro assume as proporções duma guerra, ninguém opina que ele deva ser condenado. Pelo contrário, todos o aplaudem e consideram muito justo. Pode-se chamar a isso discernimento do que é justo e injusto? Daí, concluímos que os nobres não vêem a diferença entre o que é lícito e o que não é. 

 Capítulo XVIII. 
 1. Falemos agora dum só país em pé de guerra. Se for no inverno, agravar-se-á o frio. Se for verão, o calor será excessivo. Se for na primavera, a peleja inibirá os camponeses de semear e plantar; se for no outono, tornará impossível a colheita e a segadura. Em qualquer dessas estações, desde que os homens sejam arrancados aos campos, inúmeras pessoas morrerão de fome e de frio. E, quando os exércitos partem, com setas de bambu, flâmulas de penas, barracas, armaduras, escudos e cabos de punhais... inúmeras dessas coisas serão quebradas, destruídas e jamais voltarão. As lanças, as adagas, as espadas, os punhais, os carros, as carroças... serão destruídos em grande número e nunca voltando. Numerosos cavalos e bois, que partiram bem nutridos, se voltarem, voltarão descarnados. E inúmeras pessoas morrerão à míngua, por lhes serem tirados os mantimentos e não receberem - devido às grandes distâncias - novas provisões. Inúmeros seres adoecerão e perecerão, em virtude do constante perigo e da irregularidade com que comem e bebem, dos extremos da fome ou dos excessos. Então o exército será dizimado em grande parte, ou aniquilado na sua totalidade; noutros casos, o número das vítimas pode ser incalculável. Isto significa que os espíritos perderão os seus adoradores, e o número destes também seria incontável. 
 2. Por que, então, o governo priva o povo de oportunidades e benefícios em tamanha extensão? A resposta será: "O motivo é: 'Ambiciono a fama do triunfador e as possessões que se obtém pelas conquistas". Mozi diz: "Se considerarmos a vitória, sob esse ponto de vista, ela não terá nenhuma utilidade. E as possessões obtidas a tal preço não compensam os danos. Ora, se o sítio duma cidade de três lis, ou dum kuo de sete lis (8), fosse efetuado, sem o uso de armas ou sem perda de vidas, tudo estaria muito bem. Mas, pelo contrário, contam-se dezenas de milhares de mortos, de viúvas, de desamparados, antes que uma cidade de três lis, ou um kuo de sete lis, sejam capturados. Mais ainda: os estados de dez mil carros contam milhares de cidades desertas, que se poderiam conquistar sem luta, e milhares de mus (9) de terras incultas, que se poderiam cultivar sem conquista. Assim, abundam as terras, mas a população escasseia. Ora, impelir os homens à morte, e agravar o perigo temido por superiores e subalternos, para obter uma cidade deserta, eqüivale a renunciar ao necessário e a conservar o que sobra. Tal empresa não se coaduna com o interesse do país". 
 3. Os que timbram em atenuar o verdadeiro aspecto das guerras ofensivas dirão: "Esses estados perecem, porque não foram capazes de unir e empregar as massas populares. Eu posso arregimentar e utilizar os meus homens a sustentar com eles a guerra: quem então ousaria rebelar-se?" Mozi diz: "talvez sejais capaz disso, mas podeis comparar-vos ao antigo Ho Lü de Wu? Ho Lü de Wu (cerca de 510 a.C.) treinava outrora os soldados sete anos. Equipados com armas e couraça fazia-os percorrer cem lis num dia, antes de acampar à noite. Ultrapassando Shu Lin, esses guerreiros chegaram ao estreito passo de Miu e travaram luta com o estado de Chu em Po Chü. Subjugando o Chu, Ho Lü deu audiência a Sung e a Lu." 
 4. Não ouvimos dizer que um país em guerra, aprestando-se para uma expedição, deve contar com centenas de oficiais, milhares de civis e dezenas de milhares de soldados e de prisioneiros, antes que o exército se tenha posto em marcha? Isto pode durar muitos anos ou no mínimo muitos meses. Ora, os governantes não terão assim lazer para cuidar de suas obrigações; os fazendeiros não poderão semear nem colher; às mulheres, não sobrará ensejo para tecer e fiar; logo, o estado perde os seus homens e os cidadãos descuram seus afazeres. Além disso, os carros ficarão destruídos e os cavalos estafados. Quanto às tendas, às provisões do exército, ao equipamento dos soldados, se restar, depois da guerra, um quinto de tudo, já o resultado excederá a expectativa. Entretanto, inúmeros homens ficarão dispersos, adoecerão em conseqüência das marchas fatigantes, das rações escassas, da fome e do frio e morrerão na penúria. A calamidade para o mundo e para os homens é tremenda. Entretanto, os governantes insistem em fazer guerra. O que eqüivale a dizer que desejam a desgraça e o extermínio dos povos; não é perversidade? 

 Capítulo XXVI. 
 1. E agora, que é o que o céu preza e que é que o Céu abomina? O Céu deseja a justiça e detesta a injustiça... Como podemos saber que o Céu abomina a injustiça e preza o direito? Porque o mundo vive com o direito e, sem ele, perece; pelo direito, o mundo enriquece; empobrecerá, se ele faltar; o direito gera a ordem; a injustiça origina o caos. O Céu quer que o mundo viva, e detesta vê-lo perecer; quer vê-lo rico e não pobre; deseja a ordem e condena a confusão. Eis como sabemos que o Céu preza o direito e abomina a injustiça. 
 2. Como podemos saber que o Céu ama os homens? Porque os ensina a todos. Como sabemos que os ensina? Porque os defende a todos. Como sabemos que os defende a todos? Porque aceita sacrifícios de todos. Como sabemos que aceita sacrifícios de todos? Porque, na extensão dos quatro mares, todos os homens alimentam com ervas, bois e carneiros, dão cereais aos cães e porcos e preparam bolos e vinhos para ofertá-los a Deus, nas alturas e aos espíritos. Por que todos se queixam de que o Céu não lhe tem amor? Como já disse, o assassínio de um inocente acarreta uma calamidade. Quem é o assassino de um inocente? É um homem. Quem envia o castigo? O Céu. Se o Céu não prezasse os homens, por que puniria a morte de um deles? Logo, sei que o Céu ama os homens. Obedecer ao poder celeste é aceitar a justiça como padrão. Opor-se ao poder celeste é tomar por norma a força. Ora, que se entende por padrão de justiça? 
 3. Mozi diz: "os governantes dos grandes estados não devem atacar os estados pequenos; o chefe duma grande casa não deve molestar as casas menores. O forte não deverá despojar o fraco. O fidalgo não deve desprezar o humilde. O esperto não deve enganar o tolo. Isso é proveitoso ao Céu nas alturas, aos espíritos na esfera média e aos homens na terra. Sendo proveitoso a essas três coisas, será útil a tudo. Assim, ao homem capaz de tal feito, será atribuída a melhor denominação: a de rei-sábio". O padrão da força é bem diverso. Contradiz, nas palavras, as normas da justiça e é totalmente oposto às mesmas, no modo de agir. Governando um grande estado, o adepto da força agredirá os pequenos estados; chefiando uma grande casa, molestará as pequenas. O forte espoliará o fraco, o fidalgo desdenhará o humilde. O experto enganará o tolo. E isso não favorecerá o Céu nas alturas, nem os espíritos na esfera média ou os homens na terra. Não sendo proveitoso a essas três coisas, não será útil a ninguém. Assim, o homem culpado dessa ação fará jus ao pior título: o de rei perverso. 
 4. Mozi diz: "O poder celeste é para mim o que o compasso é para o tanoeiro, e o esquadro para o carpinteiro. O tanoeiro e o carpinteiro medem todos os objetos quadrados e circulares com o esquadro e o compasso; aceitam essas medidas como exatas e rejeitam as que não correspondem à esse padrão. Os escritos dos nobres dos nossos dias não cabem numa carroça; nem podem as suas doutrinas serem enumeradas na sua totalidade. Eles tem por fim convencerem os senhores feudais e os sábios; mas estão bem longe da magnanimidade e da justiça. Como podemos sabê-lo? Por que possuo o melhor padrão do mundo para os avaliar." 

 Capítulo XXVII. 
 1. E aqui Mozi diz: "Se os nobres desejam realmente beneficiar o povo, não devem desobedecer à vontade celeste, origem da magnanimidade e da justiça." Desde que devemos obedecer à vontade do Céu, que é o que o Céu deseja e que é o que abomina? 
 2. Mozi diz: "A vontade celeste abomina os grandes estados que atacam os pequenos, as grandes casas que molestam as pequenas, o forte que despoja o fraco, o experto que engana o tolo, o fidalgo que despreza o humilde - eis o que a vontade do Céu condena. Por outro lado, o Céu deseja que os seres enérgicos auxiliem os outros; que os instruídos ensinem os seus semelhantes, que os ricos repartam os seus bens. E ainda quer que os governantes cumpram seu dever, e os súditos cuidem diligentemente dos seus afazeres... O governo do Céu no mundo assemelha-se ao dum senhor feudal no estado. Ao governar um estado, pode o senhor feudal desejar que os ministros e o povo trabalhem para a recíproca desvantagem? Se um grande estado atacar um pequeno, se um chefe duma grande casa molestar as casas menores...se por tudo isso alguém pretender do senhor feudal recompensas e honrarias, não as obterá. Será, pelo contrário, castigado. Ora, o governo do Céu na terra é bem semelhante. Se o governador dum grande estado agredir um pequeno, se o chefe duma grande casa molestar as casas menores...se por tudo isto alguém ambicionar honrarias e recompensas do Céu, não as obterá; será, pelo contrário, punido. Quando o homem faz, não o que agrada ao Céu e sim o que contraria, o Céu, por sua vez, não fará o que o homem deseja e sim o que ele aborrece. O homem detesta as doenças e as calamidades. Logo, contrariar a vontade celeste é arrastar a humanidade à desgraça... 
 3. O Céu quer ao mundo inteiro universalmente. Tudo foi preparado (10) para o bem do homem. A própria ponta de um cabelo é obra do Céu. Os benefícios que o homem desfruta são substanciais. Em troca, ninguém é obrigado a prestar serviço. E o homem nem reconhece nisso um ato ingrato e mesquinho. Eis porque afirmo que os nobres entendem só de bagatelas e não de coisas importantes. Sei também que o Céu preza os homens, e não sem razão. O Céu ordenou ao sol, à lua e às estrelas que os iluminem e guiem. O Céu criou as quatro estações: primavera, verão, outono e inverno, para os regular. O Céu envia a neve, a geada, a chuva, e o orvalho para que possam prosperar os cereais, o linho e a seda que os homens usam e aproveitam. O Céu criou as colinas, os rios, os barrancos e os vales; dispôs várias coisas de modo a ministrar ao homem o bem e o mal. Designou os duques e os senhores para premiar os virtuosos e punir os maus, para explorar o metal e a madeira, as aves e os animais, para incentivar o cultivo dos cereais, do linho e da seda, a fim de fornecer ao povo alimento e roupas. Isto vem acontecendo, desde a Antigüidade até hoje. Suponhamos um homem tão afeiçoado ao filho, que empregou toda a sua energia para trabalhar em benefício dele. Bem; tornando-se adulto, o filho não corresponde ao afeto do pai. Os nobres o tacharão de ingrato e miserável. Ora, o Céu quer ao mundo inteiro universalmente. Tudo foi preparado para o bem do homem. A obra do Céu estende-se às mínimas coisas que o homem desfruta. Em troca ninguém faz nada nem reconhece que, assim, procede mesquinhamente. Eis porque afirmo que os nobres só entendem de ninharias e não de coisas importantes. 

 Capítulo XXVIII. 
 1. Como sabemos que os grandes do mundo estão longe da justiça? Porque os senhores dos grandes estados costumam dizer: "O meu estado é grande; se eu não atacar os pequenos estados, em que serei grande?" Em conseqüência, armam soldados e guerreiros, equipam embarcações e carros para agredir um estado indefeso. Transpondo-lhe os campos, derrubam-lhes as árvores, arrasam as cidades, entopem os canais e os valos, queimam os templos ancestrais e abatem as vítimas destinadas aos holocaustos. Quanto ao povo, matam os fortes e escravizam os fracos. Os homens convertem-se em lacaios e prisioneiros. As mulheres tornam-se criadas de servir o vinho. Entretanto, o conquistador não reconhece que está agindo sem magnanimidade nem justiça. E anuncia aos senhores dos estados próximos: "Ataquei um país, destruí um exército e matei muitos generais." Os outros senhores não só não reconhecerão que é mau procedimento, mas ainda oferecerão, com os seus parabéns, presentes de peles e sedas. E os conquistadores cada vez menos se persuadirão do seu erro. Registrarão esses feitos no bambu e na seda e conservarão esses anais nos arquivos, a fim de que os seus descendentes imitem os régios antepassados, dizendo: "Por que não folhearemos os arquivos, para saber como procederam nossos avós?" E, em vez de aprenderem que "assim e assim é o regime de Wu", lerão: "Ataquei países, desbaratei exércitos e matei-lhe os generais." Ora, como nem os senhores nem os seus vizinhos reconhecem quão pouco justo e magnânimo é esse procedimento, os ataques e os assaltos hão de se suceder incessantemente, de geração em geração. 
 2. Que pretendo dizer quando afirmo que os homens entendem apenas de bagatelas e não de coisas importantes? Suponhamos que um homem invada um pomar de outro e roube pêssegos, ameixas, melões e gengibre; se for preciso esse homem será punido pelo superior e condenado pelo povo. Por que? Porque não partilhou as fadigas, mas roubou os frutos e se apropriou do que não era seu. Quão mais sério é o caso do que pula a cerca do vizinho e lhe maltrata os filhos; do que assalta o depósito alheio, para roubar ouro, jade, seda e pano; do que entra no estábulo de outrem e tira os cavalos e os bois; do que mata um inocente? No governo dos senhores atuais todos - desde o que um mata um inocente ao que pula a cerca do vizinho e lhe maltrata os filhos, ao que assalta o depósito alheio para roubar ouro, jade, seda e pano, ao que entra no estábulo de outrem para tirar bois e cavalos, ao que invade o pomar contíguo e rouba pêssegos, ameixas, melões, gengibre - todos são punidos do mesmo modo, estejam eles sob o governo de Yao, Shun, Yu, Tang, Wen ou Wu. Ora, os senhores e os chefes do mundo agridem e oprimem os outros. Isto é mil e dez mil vezes pior do que pular a cerca do vizinho, para lhe maltratar os filhos, ou assaltar o depósito alheio para roubar ouro, jade, seda e pano, mil e dez mil vezes pior do que entrar no estábulo de outrem e tirar bois e cavalos, ou invadir o pomar contíguo para apanhar pêssegos, ameixas, melões e gengibre. Entretanto, eles chamam a isso direito... 

 Capítulo XXXIX. 
 1. Certa vez, Confúcio viu-se em apuros entre Cai e Chan; tinha apenas para comer uma sopa de vegetais e faltava-lhe até o arroz. Ao termo de dez dias de privações, Zi Lu assou-lhe um porco. Sem indagar donde vinha o animal, Confúcio comeu-o. Zi Lu trocou algumas peças de seu vestuário por vinho. Sem perguntar pela proveniência do vinho, Confúcio bebeu-o. Mas, quando o senhor Ai recebeu Confúcio, este não se quis acomodar senão numa esteira direita nem consentiu em comer o que não estivesse muito bem preparado. Zi Lu perguntou-lhe então: "Por que ages de modo tão diferente do que fazeis no caminho de Chan e Cai?" Confúcio respondeu: "Escutai: então o nosso fim era conservar a vida; agora, proceder corretamente." Portanto, quando tinha fome, Confúcio não se mostrava muito escrupuloso, no tocante aos meios de se manter vivo; desde que estivesse farto mostrava-se hipocritamente requintado. Pode haver maior tolice, perversão, pretensão e vileza? 

 Keng Chu. 
 1. Wu Ma zi disse a Mo zi: "Embora possais amar universalmente, o mundo não será por isso favorecido; nem, se eu deixar de amá-lo universalmente, ele se poderá julgar injuriado. Desde que nenhum de nós tem influência, de que vos vale elogiar o vosso procedimento e censurar o meu?" Mo zi respondeu: "Imaginemos um incêndio. Um traz água para extinguir; outro vai apanhar lenha para o alimentar. Nenhum dos dois fez nada de importante; mas a qual deles dais mais apreço?" Wu Ma zi respondeu que aprovava a intenção da pessoa que trouxera água, e reprovava a da que fora buscar combustível. Mo zi tornou: "Pelo mesmo motivo, aprovo a minha intenção e censuro a vossa." Wu Ma zi disse a Mo zi: "Por muito que sejais justo, os homens não vos secundarão; nem vos abençoarão os espíritos. Contudo, continuais a fazê-lo. Deveis ser transtornado." Mo zi disse: "Suponhamos que tenhais dois empregados. Um deles trabalha na vossa presença, mas folga na vossa ausência. O outro trabalha, quer estejais presente, quer ausente. Qual dos dois merece a vossa aprovação?" Wu Ma zi respondeu que apreciaria o que trabalhava, quer na sua ausência, quer na sua presença. "Então," disse Mo zi, "aprovais o que é transtornado." 
 2. Um discípulo de Ce Xia perguntou a Mo zi se podia haver luta entre os homens superiores. Mo zi disse: "Os homens superiores não lutam." O discípulo de Ce Xia tornou: "Se até entre os cães e os porcos há luta, por que não ocorreria ela entre os homens?" Mo zi replicou: "Que vergonha! Tang e Wu são louvados com palavras; mas os cães e os porcos são tomados como exemplo de procedimento. Que vergonha!" 

Notas
(1) O título Shang Tung foi traduzido por Y. P. Mei como "Identificação com o Superior", o que me parece injustificado. Veja-se a nota 2. 
 (2) Leia-se: "Só é possível mediante a exaltação do padrão comum da justiça no governo." 
 (3) Leia-se: "Baseado na unificação de padrão do direito." 
 (4) Leia-se: "O imperador deve reunir todas as normas do direito no mundo e unificá-la com o poder celeste. "O poder celeste" I. 
 (5) Traduz-se Jen de vários modos: "benevolência", "caridade", "amor", "bondade", Jenjen, no sentido filosófico, significa o "verdadeiro homem", segundo o Confucionismo e, na linguagem vulgar, o "homem bom". Na presente versão, o termo "magnânimo" refere-se a jen. 
 (6) Esta é a metade do segundo ensaio sobre "Amor do próximo"; acerca deste assunto, há três ensaios com repetições. Mais adiante, Motse prova o seu ponto de vista com exemplos de história antiga e refuta, com senso crítico, a asserção de que o "amor ao próximo" é impraticável, etc. A idéia do amor ao próximo, inteiramente ligado à da "vontade celeste', foi desenvolvida posteriormente, em todas as obras de Mo zi". 
 (7) Comparando esta sentença com as seguintes, que exprimem a mesma coisa, é lícito crer que se haja extraviado uma cláusula. "Entrar num estábulo e apoderar-se dos cavalos e dos bois alheios é mais desumano do que roubar os cães, os porcos, as aves e os leitões d'outro indivíduo. Por que? Porque o dano será maior. Sendo o dano maior, o ato é mais desumano e condenável." 
 (8) Cidade exterior. 
 (9) O mu é sexta parte do acre. 
 (10) O termo usado aqui no texto é "chiao sui". O sentido exato da palavra não é fácil precisar. 
 (11) Nome dum dos muitos discípulos de Mozi.